segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Carnaval pra mim


foto GL
Bem, o carnaval aconteceu ontem na minha vida. Tive a mesma sensação que tenho todos os anos, alegria e encantamento. Me emociono quando a escola passa, se liberasse chorava o desfile inteiro…não sei porque, aperta o peito e as lágrimas vem, não posso falar…e aquele ritmo intenso soando avassaladoramente por cima de mim, talvez algo como fazer um tubo em Nazaré numa onda de trinta andares, deve ser igual…riso e choro, tudo junto, uma fotografia de vc sorrindo e as lágrimas escorrendo, é isso o desfile das escolas de samba pra mim… emoção pura, é infantil, adolescente e senil, tudo junto. É lúdico e luxúria, inocente e pornográfico, é uma coisa…se eu gostei? Nossa…eu amo.
Hoje continua, vou ver pela Tv, não tenho a simplicidade de ir pra arquibancada e assitir, não sei porque…talvez porque não vá sozinho, não sei…lembro que Carmela assistiu o desfile na arquibancada comigo quando estava grávida de 7 meses…hoje acho uma loucura, naquela vez era absolutamente normal, achava que os fluídos contaminariam o bebê que já nasceria uma foliã, ahhh os homens…não sabem de nada…enquanto eu curto o Carnaval ela vai ver Hitchcock no cinema abaixo de 5 graus. Eu fervo e ela gela…nada feito. O que eu sou, sou eu e mais nada.
É o Segundo dia, tem Mangueira, Beija Flor e isso não é pouco…mas ontem teve entre outras a Mocidade, teve a Unidos da Tijuca e o Salgueiro, só essas três já valeram…mas a bateria da Mocidade não vai sair da minha cabeça nunca mais, o que eles fizeram naquela avenida ontem prá contar precisaria de uma noite inteira, contar toda a história das baterias, dizer das diferenças entre elas só perceptíveis a quem acompanha e ouve percebendo o que está se passando, falar de quantos ensaios foram necessários para chegar a fazer naquilo que fizeram, dos mestres ancestrais que construíram a bateria nota 10, do que é paradinha, e o que é o paradão…do repique, do repinique, do pandeiro e do tamborim, da marcação, do bumbo, dos mestres de bateria e suas artes, vou ter muito pra contar se eu quiser revelar o que aconteceu ontem ali, na minha frente quando a bateria chegou em frente aos jurados que estavam do outro lado em frente ao setor 9 onde eu estava…aconteceu uma coisa ali e eu juro que nunca tinha ouvido e visto nada igual…a bateria parou, a escola segurou o samba, eu arrepio agora ao contar, toda a avenida arrepiou, deu medo que atravessassem, mas nada, o repinique entrou, mas entrou de uma maneira tão atordoantemente veloz e preciso, puxando o ritmo e andamento sozinho, com velocidade e força, por alguns segundos eternos, uma destreza mágica, e a poderosa, com aproximadamente 400 integrantes, ouvindo o chamamento do repenique, entrou com o peso da onda de Nazaré, e caiu tudo, quebrou, e as arquibancadas tremeram, todo povo se levantou, todos urravam como num gol, um gozo geral! Uma coisa I na cre di tá vel…e tudo se juntou como se estivesse colado pra sempre, vozes, o canto, a música, a bateria, tudo junto no compasso vibrando, todo mundo dançando, levantava defunto…o cemitério estremeceu…lá vem a bateria da Mocidade Independente, não existe mais quente, não existe mais quente…!!!
11 fev2013

domingo, 6 de janeiro de 2013

George Orwell e o uso da linguagem


foto GL-Nyc

Críticas do escritor ao mau uso do inglês também se aplicam ao português no Brasil

George Orwell foi um grande escritor e jorna­lista inglês. Na sua extensa obra, dois livros se destacaram, inclusive no Bra­sil, nos quais revelou sua inten­sa oposição ao autoritarismo e ao totalitarismo:1984 e ARevolu­ção dos Bichos.
Aqui inspirou até o nome de um programa de televisão, o Big Brother Brasil. Big Brother, ou o Grande Irmão, era a figura imaginária e onipresente que conduzia o partido no poder num país sob jugo totalitário, imaginado por Orwell. Esse par­tido controlava seus membros de forma acintosa e cada um ti­nha em sua residência uma câ­mera de vídeo com que era ob­servado pelo controle central exercido pelo Big Brother.
Menos conhecida é a paixão de Orwell pela clareza no uso da linguagem. Soube pelo seu livro Como Morrem os Pobres e Ou­tros Ensaios (São Paulo, Com­panhia das Letras, 2011). Nele, o capítulo A política e a língua inglesa trata mais da linguagem do que da política. Esta e os polí­ticos entram em cena porque Orwell lhes  atribui parte da cul­pa pela má linguagem.
Começa apontando a deca­dência da lingua inglesa. As cau­sas, várias, com seu próprio efei­to atuando como causa adicio­nal, ao reforçar as originais, pro­duzir o mesmo resultado de for­ma intensificada, e assim por diante, indefinidamente. Nas suas palavras, a linguagem “... se torna feia e imprecisa porque nossos pensamentos são tolos, mas seu desmazelo torna mais fácil para nós termos pensamen­tos tolos”.
Várias de suas observações ca­bem também à lingua portugue­sa no seu uso no Brasil. Entre outros males, é evidente a inva­são de estrangeirismos, princi­palmente ingleses, muitas ve­zes sem ponderação quanto ao seu significado e à necessidade e relevância de usá-los. Entre ca­sos mais comuns, estão delivery, sale e off. E há bullying, que ig­nora nosso verbo bulir e o subs­tantivo bulimento.
Há também os estranhos no­mes que recebem edifícios lan­çados na cidade de São Paulo, quase todos em inglês, francês ou italiano. Recentemente, um jornalista americano que nela vive me disse ter ficado perple­xo com um deles, o Augusta High Living, na chamada baixa Rua Augusta. Em inglês high é palavra também usada para des­crever uma pessoa embriagada ou sob efeito de drogas.
Para crítica, Orwell apresen­ta cinco trechos de igual núme­ro de autores e neles ressalta duas características comuns. A primeira é o “ranço das ima­gens” ou metáforas. A segunda é a falta de precisão conceitual, à qual voltarei mais à frente.
Quanto às metáforas, e escre­vendo em 1946, argumenta que uma “recém-inventada ajuda o pensamento a evocar imagem visual, ao passo que uma que está tecnicamente ‘morta’ (por exemplo, resolução férrea) se transforma numa palavra comum e pode ser usada sem perda da vivacidade. Mas, entre esses dois tipos, há um enorme depósito de metáforas gastas que perderam todo o poder de evocação e só são usadas por­que economizam para as pes­soas o trabalho de inventar ex­pressões”.
Entre as gastas que cita, vá­rias estão também na nossa lín­gua: trocar seis por meia dúzia, misturar alhos com bugalhos, caiu na rede é peixe e calcanhar de Aquiles. Acrescenta que mui­tas dessas expressões são usa­das sem o conhecimento de seu sentido, e pergunta: o que são bugalhos, por exemplo?
É ao discutir o sentido das pa­lavras e expressões que enfatiza a política e os políticos. O ter­mo democracia tem destaque: “...além de não existir uma defi­nição com que todos concor­dem, a tentativa de criá-la sofre resistência de todos os lados. (... ) quando dizemos que um país é democrático, nós o esta­mos elogiando; em consequên­cia, os defensores de todo tipo de regime alegam que ele é de­mocrático, e temem que te­nham de deixar de usar a pala­vra se esta for atrelada a algum significado”.
E mais: “Em nosso tempo, o discurso e a escrita política são, em grande medida, a defesa do indefensável. (...) Desse modo, a linguagem política precisa consistir, em larga medida, em eufemismos, argumentos circu­lares e pura imprecisão nebulo­sa. (...) O estilo inflado é em si mesmo uma espécie de eufemis­mo. (...) A linguagem política (...) é projetada para fazer com que as mentiras soem verdadei­ras (...), e para dar uma aparên­cia de solidez ao puro vento”. Assim, mesmo discorrendo so­bre linguagem, percebe-se que Orwell foi fiel à sua vocação de rebelar-se quanto ao que via de errado na política, na qual res­saltou esse uso deturpado.
Quanto à linguagem em si, Or­well propõe seis regras para aprimorá-la, e adaptei a quinta à nossa língua: “1) Nunca use uma metáfora, símile ou outra figura de linguagem que está acostumado a ver impressa; 2) nunca use uma palavra longa quando uma curta dará conta do recado; 3) se é possível cortar uma palavra, corte-a sem­pre; 4) nunca use a voz passiva quando pode usar a ativa; 5) nunca use uma expressão es­trangeira, uma palavra científi­ca ou um jargão se puder pensar num equivalente do português cotidiano; 6) infrinja qualquer uma destas regras antes de di­zer alguma coisa totalmente bárbara”.
Adicionaria uma sétima, a de evitar frases longas, pois embo­lam o raciocínio e confundem leitores e ouvintes. E de um filó­sofo da educação, o franco-ame­ricano Jacques Barzun, uma que abrange todas: escrever é reescrever.

ROBERTO MACEDO , ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Niemeyer faz falta

Foto GL
Foto do "pavilhão" brasileiro na Bienal de Arquitetura em Veneza.
(outubro 2012)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

TOM JOBIM, o Maestro


Qualis - Ainda falando sobre Villa-Lobos, ele sintetiza de uma certa forma a alma brasileira, assim como George Gershwin, Irving Berlin para os Estados Unidos. Você é um compositor que retratou a alma brasileira...

Tom - Muito! Muito! Aliás, o Villa-Lobos tem uma música chamada "Alma Brasileira". Porque o Brasil teve que ser inventado, entende. Não existia o Brasil. Tudo aqui é importado, tudo, o relógio, o gravador. E quando não importado, é copiado do original que vem de fora. E o resto mais é importado, o café é importado, a cana de açúcar é importada, o eucalipto é importado, os carros são importados, nós somos importados... Os índios são importados, vieram da Polinésia, né, com os zigomas salientes (ossos temporais), aplica mongólica (dobras ou rugas faciais), a zarabatana. Então, a Ilha Brasil, talvez, é uma grande ilha com as espécies muito diferentes do resto do mundo. Aqui você não tem animais do presépio de Jesus Cristo, não tem. Você não tem vaquinha, boizinho, galinha, ovelhinha, nada disso existe aqui. Tudo isso é importado. Aqui tem tamanduá-bandeira, tem gambá, tem preguiça, peixe-boi, entende, são animais realmente diferentes.


Qualis - Essa tua admiração, por exemplo, por Villa-Lobos é uma identificação dessa busca incessante pela alma brasileira?

Tom - Isso foi em outros tempos naturalmente, por que você tá aqui, o rádio toca música norte-americana. Você tem que ter alguma coisa que você ame, que você se identifique com a sua alma, com o fato de você ser brasileiro, com o fato de você nascer aqui nesse pindorama, terra das palmeiras debruçadas assim acima do Atlântico. Cheio de peixes, cheio de pássaros, de bichos, de índios, de tudo, né. Se eu tivesse nascido, por exemplo, na Europa ou nos Estados Unidos, certamente teria tido uma educação musical, supondo-se que eu fosse músico, uma educação musical mais refinada, mais profunda, ou qualquer coisa. Mas eu não iria escrever música brasileira por que eu não seria brasileiro. Aí eu iria escrever valsas, mazurcas, escrever foxtrote, talvez eu estivesse escrevendo heavy metal.

"Tom Jobim a última entrevista”, Rio de Janeiro - Jardim Botânico, 30/11/94 - Quarta-feira, das 10h30 às 13h20 - manhã ensolarada. Repórter: Walter de Silva

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A mentira e a Nova Censura na Wikipedia

Peter Clark

A Wikipedia que é associada ao Criativo Comum quer crescer no Brasil, recentemente contratou para sua direção geral uma colaboradora do Overmundo do Hermano Vianna. Este, na ânsia de “vender o peixe” nesse sábado escreveu sobre a enciclopedia não poupando elogios até  afirmar “que nunca houve experiência coletiva igual na história da Humanidade”...
Bem, poderia ser um exagero se não fosse absoluto non sense, Hermano finge quando diz que desconfia de qualquer informação, quer passar independência não revelando os patrocínios que sustentam pontos de vista. Hermano faz parecido como quando insiste tanto e por tanto tempo com o CC. Na Wikipedia qualquer foto para ser editada tem necessariamente que passar no CC.
Mas até aí a gente entende, são comprometimentos profissionais e comerciais e Hermano poderia relevar mais considerando o que a Wikipedia chama de Conflito de Interesses: uma maneira sutil de censurar contribuições que seus editores (censores) julgam se tratar de mera propaganda ou divulgação em causa própria. Pois Hermano no seu artigo não faz outra coisa senão um jabá em causa própria.
A Wikipedia na verdade não é o que parece, longe disso, atua selecionando o que deve ser veiculado e impede a circulação da informação, pratica discaradamente a Nova Censura e se estabelece na falsidade de que se trata de uma enciclopedia livre.
Hermano engana ao aconselhar e afirmar que o chefe de redação sumiu quando na verdade a Wikipedia entregou na mão de seus censores a autoridade de apagar qualquer colaboração que lhes der na telha, estribados em conceitos subjetivos ou simplesmente particulares.
Como instrumento do mundo livre a Wikipedia deixa muito a desejar, está constituída de modo autoritário e na verdade conspira contra a liberdade ao censurar, seus editores usam codinomes como “Navalha”, “Macho Carioca”, entre outros, e praticam o desrespeito e a intolerância.
O verbete de João Gilberto é um exemplo, em português ou em inglês, das práticas adotadas num desrespeito flagrante pela memória da cultura nacional. Basta visitá-lo e observar em Discussão o embate que se trava para melhorar e informar no verbete.
O caso de Philip Roth é sintomático e o tal "escândalo" fabricado de Gibraltar um mero factóide inverossímel, objeto de divulgação do que parece mas não é.
É inadmissível a organização de uma Nova Censura entre nós.
5/out/2012.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O sussurro do Douro

Dobrando a curva, logo depois do dique, aparece  o rio gordo e profundo.
Nas encostas, como é setembro, a colheita serpenteia feito uma ladainha.
Não há como ficar indiferente diante deste cenário.
Todos os sentidos são invadidos pelos verdes claros, escuros , verdes aveludados que se espalham por toda a vista e escorrem montanha abaixo  até misturar- se  no vale com o verde oleoso, denso- quase- negro do rio.
Um rio fundo como uma noite interior.
Há neste lugar um silencio que comove. Faz pensar em todos os nomes que conhecemos. Lugares  por onde  já andamos e ficaram registrados em algum lugar na memória. Aromas reconhecidos que sossegam a alma. Mais que tudo a sensação aquietante de ter chegado a casa.
E se, insistentes, penetrarmos ainda mais neste silêncio,  poderemos ouvir como uma absolvição ou uma benção o lento sussurro do Douro.


carmela forsin

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Legítima defesa nacional


pintura Rubem Gerchman
O governo americano, em carta enviada por seu representante comercial Tom Kirk ao Ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, acusou o governo Dilma de estar sendo protecionista "por haver decidido aumentar tarifas de cem produtos importados pelo Brasil.
E cobrou ("urged") que o governo brasileiro reveja sua decisão. O ministro brasileiro ironizou o americano por ter "reconhecido a legalidade" das medidas brasileiras no quadro da OMC e afirmou que o Brasil foi obrigado a tomar essa iniciativa porque os EUA, com sua política de emissão de dólares ("quantitative easing"), vem causando a apreciação do real.
Patriota acusou também os EUA de subsidiar sua agricultura, mas a novidade em termos de discussão tarifária é a de mostrar que tarifas e taxa de câmbio se substituem quando se trata de importação. Esta é uma tese "proibida" na OMC, mas é afinal óbvia. Se um país eleva em 10% suas tarifas, mas a taxa de câmbio se aprecia em 30%, na prática a indústria foi afinal desprotegida em 23% em relação ao preço inicial em reais.
Façamos as contas, partindo-se de tarifa zero, do preço de um bem de US$10, e de uma taxa de câmbio de R$2,60 por dólar, implicando um preço em reais de R$26,00. Se for estabelecida uma tarifa de10%, seu preço em reais será R$28,60; mas caso a taxa de câmbio se aprecie em 30%, caindo para US$ 1,82, o preço em reais cairá de R$28,60 para R$ 20,00, de forma que, devido à depreciação, a proteção adicional de 10% se transformou em uma desproteção líquida de 23%.
A substituição de tarifa por câmbio e a tese de que nos países em desenvolvimento a taxa de câmbio deixada livre tende a ser crônicamente
sobrevalorizada estão no centro da nova escola keynesiano-estruturalista que está surgindo no Brasil.
Quando o ministro Guido Mantega, que faz parte dessa escola, afirmou há alguns anos que o Brasil estava sendo vítima de uma guerra cambial, pensava nestes termos.
É claro que os EUA e o clube dos Países ricos não concordam porque ideologicamente acreditam que a liberalização comercial geral é do seu interesse. Na verdade, em relação a países de renda média que são capazes de exportar bens manutaturados, isso não é mais verdade.
Se esses países lograrem neutraIizar as duas causas dessa sobrevalorização crônica do câmbio ( entradas excessivas de capital, agora agravadas pela política de emissão monetária dos países ricos, e doença holandesa), ganharão mais que os ricos com a abertura comercial. Foi o que perceberam há muito os países asiáticos dinâmicos, que não se deixaram enganar pela tese do ocidente de que "precisam" de seus capitais. E o que nós, brasileiros, já começamos também a entender, mas que não tivemos ainda força suficiente para implementar, seja porque a dependência de nossas elites e principalmente de nossos economistas é muito maior do que a das elites asiáticas, ou porque  a doença holandesa é mais grave aqui. Como não logramos colocar a taxa de câmbio no verdadeiro nível de
equilíbrio somos obrigados a aumentar tarifas. É um “second best”, mas está claro que o governo brasileiro não se deixará comover com as acusações americanas. O que o Brasil está fazendo é legítima defesa.

Luis Carlos Bresser-Pereira, publicado na Folha de SP 24-setembro-2012 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Ajuste fino

foto GL-NYC
Desde o século 16 o comércio intemacional vem crescendo. A partir do século 19, à
medida que a Inglaterra se industrializava "criou-se" e, lentamente "consolidou-se"
a ideia (vendida como "teoria científica") de que a plena liberdade de comércio (não
importando a história ou a geografia dos países) era o regime que produzia o maior
"bem-estar para todos"_As qualificações teóricas e empíricas a tal "teoria" nunca
foram levadas muito a sério pelo "mainstream", que continuou insistindo nas "virtudes"do "conto de fadas" _ Os governos (de EUA, França, Alemanha e outros países), ao contrário, mandaram-no às favas intervindo, às claras ou às escondidas, no controle de suas importações e no estímulo às suas exportações
_ Neste início do século 21, parece realizar-se, pelo menos, uma das inúmeras "previsões" não cumpridas de Marx, de que "o capital não pararia antes de ocupar o mundo"_ Na "globalização" em que vivemos, salta aos olhos a ingenuidade da crença de que a "liberdade de comércio é, matematicamente demonstrada, o que melhor convém ao bem estar da sociedade mundial". _O que é incrível é ainda vê-la utilizada para a crítica da política comercial do Brasil_ Esta pode ser sujeita a restrições de natureza prática, como é o caso sobre a proteção ao setor de calçados, mas não por questão "de principio"_A política econômica dos últimos 25 anos tirou do produtor nacional as condições isonômicas de competição: maior carga tributária que não pode ser compensada na exportação; a maior taxa de juros real do mundo valorizou o câmbio nominal que, ajudado pelo aumento de salários nominais, valorizou o câmbio real. Tais fatos justificam plenamente intervenções pontuais. A indústria de artefatos de vidro, por exemplo, tem uma capacidade ociosa da ordem de 20% que não pode aproveitar devido às importações desleais, subsidiadas pelo câmbio e pela taxa de juros e beneficiadas por menor carga tributária de nossos competidores_ Uma proteção tarifária adequada claramente declinante, que imponha condicionalidades e que não impeça a importação, poderia permitir-lhe usá-la reduzindo os seus preços e mantendo-a no "estado da arte" em que está hoje_ É evidente que isso não recomenda qualquer aumento de tarifas sem uma análise cuidadosa de suas consequências sobre as cadeias produtivas e sem impor algumas condicionalidades_ Nossos "livre-cambistas"criticam duramente o governo, mas não dizem uma palavra sobre o que fazer diante dos absurdos subsídios de exportação chineses e muito menos com relação à criação de novos, o "ajuste fino", que acaba de ser anunciado pelo premiê chinês, Wen jiabao.
_Antonio Delfim Netto, publicado na Folha de SP 12/9/2012.

domingo, 2 de setembro de 2012

Internet em transe

foto GL - Nyc

O debate e a reportagem sobre o canal do Youtube que oferece mais de 130 filmes brasileiros na
íntegra, de graça e de forma ilegal, deveriam nos fazer pensar sobre a História.
Início do século XIX. O industrialismo toma corpo e nasce a fábrica como núcleo produtivo ao lado do latifúndio, da banca, da propriedade rural e do comércio. Os tempos modernos exigem mudanças culturais. Surgem conceitos coletivos tais como escola, hospital, transporte público, restaurante e clube de recreação. Mas a nova ordem também necessita de energia, cuja principal fonte de alimentação é o óleo de baleia. Assim, tem início a carnificina que hoje motiva e sustenta a ação de grupos como o
Greenpeace. Foi neste contexto que Herman Melville escreveu "Moby Dick", obra pela qual o autor nunca viu reconhecimento de crítica ou de público, muito menos financeiro. Londres tinha então, segundo a Wikipedia, 700 mil habitantes e era a maior cidade do mundo.
Duzentos anos depois, vivemos a Era da Internet, onde Jobs, Gates e Zuckerberg são tão ou mais famosos que Da Vinci, Shakespeare e Beethoven. As empresas criadas por esses bravos rapazes americanos faturam trilhões, criando mais um capítulo na história da riqueza do homem. Na crista desta onda surfa o Youtube, canal de exibição de vídeos da Google Inc., proprietária do Gmail e do Blogger, prima-irmã do Facebook e do Twitter.
Esta rede abriga mais de 2,1 bilhões de exigentes consumidores demandando acesso gratuito a músicas, filmes, livros, sexo, custe o que custar, até mesmo o fim de pequenas e médias empresas que poderiam gerar outros bilhões de empregos, mas que, neste mar de predadores, mal conseguem nadar para sobreviver. Quando um cidadão, que é formado em filosofia e jornalismo, usa o Facebook para indicar aos amigos um excelente filme visto no Youtube e baixado de um WordPress, além de cometer um crime previsto em lei, ele está contribuindo para que salas de cinema e lojas locadoras fechem suas portas e seus funcionários percam os empregos. Então, a empresa distribuidora de vídeos não terá mais a quem vender e não comprará mais da empresa produtora, que por sua vez deixará de realizar o próximo projeto do artista do excelente filme curtido pelo cidadão. Quem ganha com isso? O cidadão, é claro, que enriquece com simpatia e prestígio junto à sua rede social, podendo até receber um aumento no salário ou arrumar a namorada ideal. Mas dinheiro que é bom, apenas as empresas dos bravos rapazes americanos vestidos de defensores da liberdade. Neste cenário e neste roteiro, o somatório dessas simpáticas e ingênuas ações - todas semelhantes à do cidadão filósofo e jornalista - é bem mais do que um crime contra o direito autoral. Acima de tudo, é um crime contra a economia nacional que levará à extinção de todo um segmento produtivo. Como a conclusão deste assunto está longe de surgir, fica a dúvida. Para resolver este crime, chamamos a polícia ou chamamos o ladrão?

Marcelo Laffitte   publicado O Globo

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Harmonia

foto GL
Até os anos 40 e mesmo na década de 50, a harmonização de uma melodia no Brasil era quase sempre indicada de maneira bastante rudimentar. Eram as chamadas "primeira do tom" (um acorde perfeito de tônica), "segunda do tom" (acorde perfeito da dominante) e "terceira do tom com sétima" (acorde da subdominante acrescido da sétima). Só posteriormente a notação musical passou a ser a mesma do jazz, dos acordes cifrados com as letras identificadoras A, B, C, D, E, F e G, respectivamente para as notas lá, si, dó, ré, mi, fá e sol, chamadas tônicas do acorde.

Essa notação básica facilitou muito o ensino e a leitura de harmonia, beneficiando quem seguiu carreira de músico a partir de então. Mas, tanto num caso como no outro, ela não indica a disposição das notas do acorde, nem qual deve ser a nota mais grave, chamada fundamental. Pode ser a tônica, a do meio ou a mais aguda. Num acorde de dó maior perfeito, cuja cifra é C, o natural é que o dó, sendo a tônica, seja a fundamental. Mas nada impede que se faça uma inversão do acorde para mi-sol-dó, ou sol-dó-mi, em vez de dó-mi-sol. Essas inversões, que se tornaram mais freqüentes na música brasileira a partir da Bossa Nova, podem eventualmente dar uma sensação de dissonância, sobretudo se o executante usar a liberalidade, que lhe é concedida, de nem tocar a tônica, eliminando-a e deixando-a subentendida. Isso gera uma impressão de certa instabilidade, de leveza, como se a base harmônica estivesse pairando no ar e não repousando.

Além do ritmo, os acordes invertidos são outra marca no violão de João Gilberto. Seu conhecimento de harmonia teria se desenvolvido bastante em Porto Alegre, nas proveitosas horas de convívio musical com o avançado professor e maestro Armando Albuquerque, amigo de Radamés Gnattalli. No Rio, a aproximação com Tom Jobim colaborou para aprimorar o requinte de seus acordes no violão, aplicados aos arranjos dos primeiros discos, nos quais Tom foi o arranjador e estava envolvido totalmente. De fato, a atuação de Tom Jobim foi preponderante nos rumos da harmonia da Bossa Nova, pois, como ele vinha de uma experiência como arranjador, desenvolvera a técnica de vestir as músicas para o cantor, ou seja, criar novas harmonias que dessem coloridos diferentes a canções já gravadas.

Quando Sérgio Ricardo assumiu seu posto como pianista da boate Posto 5, foi Tom quem lhe mostrou o que era possível fazer com a harmonia, "sentou no piano e mostrou a mesma melodia - eu me lembro, era o 'Feitiço da Vila' [de Noel Rosa] - com uma harmonia que ele fazia. Com muita paciência, ele me mostrou como se encadeavam aqueles acordes de nonas e décimas primeiras. Fui vendo um mundo novo dentro da música".

Ainda assim, é justo reconhecer que o grande mestre de harmonia de João Gilberto foi ele mesmo, na sua disciplina férrea em tocar dezenas, centenas de vezes uma canção até atingir o ponto ideal, o equilíbrio. Ao esmiuçar obstinadamente a natureza de cada canção, ele acabava encontrando um só acorde de três ou quatro notas que simplificavam a seqüência original sem ferir a natureza da canção, embelezando-a como jamais se ouvira antes. Tinha-se a sensação de um novo caminho, que passava a ser definitivo, pois não havia nada que pudesse ser trocado, suprimido ou acrescentado.

Ao mesmo tempo, o realce dado ao violão de João Gilberto era um fato incomum para um disco de cantor. Quando foi gravar Chega de Saudade, deixou os técnicos atordoados ao exigir um microfone para ele e outro para o violão. Com esse destaque, a harmonia passou a ser percebida muito mais claramente nos seus discos, e assim, junto com a estupefação pela marcação rítmica, vinha outra semelhante, pelas harmonias invertidas, muitas vezes sem a tônica como fundamental; ocasionalmente, ela nem mesmo estava no acorde. Mais um elemento para dar leveza. É o que acontece, por exemplo, em "Desafinado", com a quinta no bordão em vez da tônica. A dissonância fica mais evidente, mais provocante.

A despeito de suas composições "Bim Bom" e "Hô-bá-lá-lá" possuírem uma estrutura harmônica simples, a maneira de dispor as notas dos acordes através de inversões e o acréscimo de acordes de passagens e acidentados acrescentaram uma sofisticação muito menos evidente nos discos de outros cantores.

João abominava tocar os acordes em arpejo, isto é, uma corda depois da outra. As notas eram feridas todas ao mesmo tempo, num bloco, e dessa maneira o violão soava como o acompanhamento completo, a orquestra de um violão, com quatro notas de cada vez, emitidas pelo dedo polegar, pelo indicador, pelo médio e pelo anular. Esse som de violão, com ritmo e harmonia, era metade do som que João buscava. Para ser uma entidade, faltava a outra metade: sua voz.

Mello, Zuza H. João Gilberto. São Paulo: Publifolha, 2001. Coleção Folhaexplica.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

De olho nas Olimpíadas do Rio


R.Gerchman

Vieram com Simonal, aquele abraço, francamente...um engano total nossa manifestação em Wembley, irrelevante não fosse a presença de Pelé...nossa música vencedora foi feita por Tom Jobim e está aí pelo mundo viajando...quando o olhar do mundo focar no Rio a trilha sonora deve partir de Tom Jobim, nossa vitória. Não faltam grandes artistas para realizar isso: Edu Lobo, Jacques Morelenbaum, Francis Hime, Jaime Além e muitos outros...e a música brasileira é vitoriosa no mundo e sua maior expressão é jobiniana...precisamos revelar isso sempre.
Gostei do visual, teve um tom mágico, gostei dos índios também, somos muito índios basta ver a nossa maravilhosa lutadora do Piauí, linda, somos negros índios e brancos, é bom mostrar isso para o mundo. Gostei da menção construtiva, foi bonito o visual...mas a música...os brits mostraram o que querem com a música, começam sempre pelos Beatles, é claro, assim sobre todas as coisas, e depois descem com tudo, mostram de tudo mesmo. Mas o alicerce é claro. Podemos num rompante de humildade cívica adotar o modelo, afinal parece que dá certo, ou não… Um tiquinho de Villa para limpar a barra com os xiitas e, geléia geral. É outro caminho.
Se de fato Tom e Vinicius, cariocas nativos, fizeram a síntese do Rio que com o baiano João virou síntese nacional e isso se tornou a nossa obra de arte mais importante do século, então temos um alicerce. Isso está constituído. Podemos acrescentar Ari Barroso e Caymmi, o Tropicalismo, e as outras coisas, mas o alicerce lá. Se cultura é confronto, é guerra, então temos que nos armar de nossa potência. É muito sério isso, é nossa primeira Olimpíada num mundo que olha para isso, temos de cuidar do legado, ensiná-lo, sem isso não temos saída, nem avanço. 
Não gostei do Sorriso chapliniano, logo o Rio que é uma sujeira e onde seguranças dão e levam garrafadas, e senti a ausência do clichê das mulheres bonitas e semi nuas. Aqui é assim, com pouca roupa, é quente. 
Hermano Vianna no Globo pensa diferente. Quando Ferreira Gullar fala da necessidade da arte porque a realidade é pouca, Hermano pega isso e invoca Game of Thrones, confunde tudo. Seria como chamar um gibi de ready-made... E fenômeno! Acusa os brasileiros de " inseguros por criar muitas barreiras para nos defender do que vem de fora"... está falando de quem? Dos brasileiros mesmo? Se refere ao Criativo Comum? Afinal, onde estão essas barreiras se só importamos tudo??? Ainda é pouco? 
Mas fala dessas coisas para chegar na cerimônia olímpica preocupado com o "nacionalismo" da festa britânica. Que novidade? Os Brits estão  sempre em festas nacionalistas, o tempo todo, acabaram de celebrar a regata da Rainha na qual se prepararam durante um ano. A seguir as Olimpíadas e semana que vem tem outra...é assim. Cansaço? Decadência? Há quantos séculos? Estamos em plena perplexidade diante do check mate musical: só a música anglo americana domina, circula, produz riquezas. E é tão interessante ouvir falar do fim da indústria da música depois do show dos ingleses na Olimpíada que foi música o tempo todo em todos os lados, mostraram mesmo que a decadência é papo dos “sociólogos”…
O rompante de humildade cívica seguindo o modelo brit de celebração é pra esquecer com nosso Hermano. Ele quer mesmo a geléia geral e já começou a sugeri-la, vide o artigo no Globo. Ele quer "...esquecer o que é realmente brasileiro" ( o Francisco Bosco, outro articulista no mesmo espaço, quer que esqueçamos nossa hegemonia no futebol, inventou outro esporte), Hermano aposta na ... mistura ( será um novíssimo gênero?). Nada de brasileirismos, isso é para Brits e Chinos...ou seja, estamos condenados a comer macarrão com peixe, xis tudo, como se isso não fosse apenas indigência e não um paladar preferido. Hermano quer a festa na rua, nem se liga para a segurança, o trânsito, os turistas, que se danem, somos diferentes e o cheiro de xixi faz parte...ora essa, é insuportável esses populismo avesso de intelectual em apartamento com ar condicionado e varandão se regozijando com o visual da massa, que mijada e fedida usufrui da única organização que lhe é possível, nenhuma, contando apenas com a a sua alegria atávica. Isso é condenação.
Mas eu disse do desgosto em ver o Sorriso na festa olímpica, mesmo gostando tanto dele, porque minha preferência seria mostrar que pobre a gente põe na escola, mais que o orgulho em mostrá-los amenos, boa gente. A vitória do pobre seria sua emancipação, não a cooptação. Projetar uma imagem chapliniana dócil e resignada da sua condição servil, nesse caso, no nosso caso, nesse momento histórico, não me parece mais adequado culturalmente.
O lixeiro e o segurança, não podem ser nossa expressão do urbano nem serve para expressar nossa contemporaneidade. E, francamente, não somos assim, talvez quiséssemos ser algum dia, mas não somos. O lixeiro entre nós o que é? Muito diferente por exemplo dos bombeiros americanos, e o que é a imundice das nossas cidades? Um desastre, uma sujeira impressionante. Então é mentira o lixeiro boa gente. E quanto a nossa capacidade de projetar a alegria na avenida com nossa gente pobre fantasiada, esse traço cultural é mais complexo. Gostei do Freixo diferenciando cultura e turismo, e olhando as Escolas de Samba com outros olhos.
Mas é verdade que o Sorriso é essa capacidade inesperada de produzir arte, mas melhor que não fosse assim e tivéssemos mais escolas e nossos bailarinos se multiplicassem em companhias de balé vitoriosas, o novo mundo produzindo um balé contemporâneo de primeira. Sorriso seria o que?
O futebol nos deu essa explosão de escolinhas de futebol por toda parte, em todo lado tem uma escolinha de futebol e nossa abundância em produzir craques é famosa. Isso é bacana, os meninos jogando bola nas escolinhas, como antes faziam nos terrenos baldios nas cidades. Seria bacana escolinhas Antonio Adolfo por todo Brasil, ou similares, mas como fazemos com a música?
E eu vi Chico Science...mas é tudo isso mesmo? Vamos acreditar então que a nação zumbi é isso tudo? Zumbi é tudo, mas isso é outra coisa.

eu fico então com João, Tom e Vinicius sobretudo.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A intenção frouxa

damien 

Na intenção de justificar a derrota brasileira do futebol nas Olimpíadas o intelectual Francisco Bosco em seu artigo no Globo dispara teses e juízos para nos fazer acreditar que a nossa hegemonia se acabou. Para tanto ele funda um novo futebol onde o talento individual é incapaz de decidir uma partida. Vê-se logo, quem conhece o ambiente das quatro linhas, que nosso sábio não jogou bola. O que o futebol revela é o craque, o futebol existe pra isso e exatamente por isso. Quando Parreira disse a filosófica sentença: “o gol é um detalhe”, errou acertando. O futebol é para o craque. Em campo, todo jogador sabe quem é o craque, que se revela num instante. “Ele”, era como o genial locutor da Tv Excelsior se referia quando a bola estava com Pelé. Hoje quase ouvimos a mesma coisa quando ela está com Messi. Foi assim com Zico, Maradona, Garrincha a alegria do povo, e tantos…o futebol é do craque e sua revelação é o mistério do jogo, e o gol, o detalhe.
Ou seja, Bosco está enganado na partida. É natural que ele demonstre admiração pelo atual técnico da seleção, o Mano. Diz que ele rompe com provincianismo e seus parâmetros avançados passam longe do nosso futebol. Ora, Mano seria um bom analista de TV, comentarista de partidas, tem boa retórica e agrada os ouvidos mais sofisticados no uso do vernáculo. É aí onde moram sua perícia e novidade. Mas o ex-zagueiro Edinho, agora comentarista, descreveu muito bem a diferença no intervalo de uma recente partida difícil para o selecionado brasileiro: “O Mano fala bem dos problemas mas ele se esquece que é o técnico, que ele tem é que mexer no time e não analisar jogos”. Ou seja, Edinho é um craque, percebeu porque sabe da diferença. Não basta a dialética ali no campo, tem uma especificidade que é própria.
O intelectual quer nos ensinar a perder, quer que admitamos uma superioridade no adversário, quer invocar mais uma vez nossas síndromes de inferioridade, quer solapar nossa arrogância, nossa pretensão hegemônica, ali…no campo. Quer que nos habituemos com a possibilidade de…perder. Ou seja, não jogou bola. Nunca disputou um racha numa calçada de rua, nunca arrebentou um dedo nem teve uma bolha no pé, daquelas que tomam quase toda sola. Não sabe o que é isso, não sabe das motivações de uma partida de futebol, do balé e da potência, do drible, da capacidade de enganar o adversário para desconcertá-lo, desequilibrá-lo, ultrapassá-lo enfim. É preciso muita arrogância para partir pra cima com a bola dominada, muita pretensão para finalizar uma jogada com um tiro na meta do adversário, é preciso ter peito e raça para decidir uma jogada. Quem entra admitindo a derrota nunca consegue a vitória, a derrota é uma contingência nunca admitida a priori. Os jogadores choram na derrota. Será que nosso sábio já chorou com a camisa suada, os pés em frangalhos, os músculos moídos e um placar adverso em campo?
E a análise da partida é bisonha, ingênua, trouxa. Relegar o drible ao fundamento tático só na Dinamarca.  Devemos começar por admitir que somos os melhores e que somos obrigados a sê-lo sempre. Justamente o oposto do que sugere nosso intelectual.
Para entrar nos aspectos que agora nem interessam, apenas para não deixar o pitaco sem resposta, o que observamos na terrível partida foi que o meio campo brasileiro não existiu. Sandro, Rômulo e Oscar não empreendiam um jogo que provocasse mais dinamismo no ataque. Mal escalado, Sandro nunca mostrou qualidades para ser selecionado, e com Oscar frágil e sem inspiração, era nítida a exigência da presença de Lucas, mas o que fez o Mano? Entendeu que o ataque não funcionava e colocou Pato, o time ficou definitivamente sem meio campo. Impossível desrespeitar a tradição sem ser penalizado, e quem pagou o pato fomos nós.
A derrota para o México é injustificável e como disse Romário é culpa do Mano. E Romário é que sabe.


Amigos, o mínimo que se pode esperar do subdesenvolvido é o protesto. Ele tem de espernear, tem de subir pelas paredes, tem de se pendurar no lustre. Sua dignidade depende de sua indignação. Ou ele, na sua ira, dá arrancos de cachorro atropelado, ou temos de chorar pela sua alma.
[...] Eu vi que a tragédia do subdesenvolvimento não é só a miséria ou a fome, ou as criancinhas apodrecendo. Não. Talvez seja um certo comportamento espiritual. O sujeito é roubado, ofendido, humilhado e não reconhece o direito de ser vítima.

[...] Oh, meu Deus do céu! Virgem Santíssima! Nós já somos um povo que não faz outra coisa senão perder! Olhem a nossa cara. Reparem: – é a cara da derrota. Afinal de contas, o que é o subdesenvolvimento se não a derrota cotidiana, a humilhação de cada dia e de cada hora? E é uma ignomínia que venha alguém dizer a esse povo desesperado: – Vá perdendo! Continue perdendo! Aprenda a perder!”.” (Nelson Rodrigues). 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Vamos falar português

relevo Galvão

A língua portuguesa me protege de qualquer sentimento colonizado de inferioridade

GRAÇA MACHEL é viúva de Samora Machel (presidente de Moçambique, falecido num estranho desastre de avião), mãe de Malenga e Josina Machel, meus amigos, e mulher de Nelson Mandela. Graça comanda uma das mais importantes e consequentes fundações do mundo, a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade, focada no desenvolvimento da criança e da mulher.
Na condição de presidente da Associação de Empreendedores Amigos da Unesco, fui visitá-la em sua casa em Johanesburgo. Graça gritou em alto e bom português: entrem, entrem. Entramos, Donata Meirel- les, minha mulher, e eu. E eis que, para absoluta surpresa, lá estava ele, Nelson Mandela, tomando sozinho o sol da tarde e lendo o seu jornal de esportes.
Mandela foi submetido a uma lastimável sessão de fotos, mas felizmente Graça Machel chegou para socorrê-lo. Enchendo a sala com sua energia e dizendo com toda a graça que vem com seu nome: vamos falar português.
No meu último artigo para a Folha, dizia que a arquitetura e o design são fundamentais para firmar o Brasil de 2014 e de 2016 como algo além de um mercado emergente, como uma cultura emergente.
Sou do país de Machado de Assis, de Manuel Bandeira, falo a língua de Fernando Pessoa, de José Saramago, de Mia Couto, e ela, a língua portuguesa, me protege de qualquer sentimento colonizado de inferioridade. A poesia brasileira me redimiu de jamais me sentir menor. Durante anos permitimos nos fazerem acreditar que falávamos uma espécie de código secreto, inferior e pobre. Tanto que nossa maneira de desqualificar as pessoas era dizer: ele só fala português.
É verdade que tudo na vida tem seu tempo sob o sol. Durante anos, o Brasil penou com seus números. Mas hoje, que os números da economia são bons, temos tempo, foco e motivação para cuidar das palavras. Agora que o Brasil encontrou seu desenho político, podemos, devemos, precisamos dar atenção ao que não era imediato e hoje ficou premente: nossa cultura, nossa forma de ser, nossa língua.
Como disse Graça Machel: vamos falar português. Temos zilhões de libaneses, de italianos, de japoneses, de coreanos, de alemães e de pessoas de outras nacionalidades que vieram morar no Brasil. Eles foram alunos do português, mas podem agora ser professores. E podem, se devidamente mobilizados, espalhar nossa língua pelo mundo.
Não somos os únicos embaixadores. Emergem como o Brasil as nações portuguesas da África. Angola e Moçambique devem crescer entre 6% e 7% neste ano, como o Brasil. E está provado: a força da língua está ligada à força da economia.
Vale, Petrobras, Embraer, Seara e outras novas e velhas multinacionais brasileiras exibem cada vez mais globalmente nossas marcas e, com elas, nosso design, nosso branding, nossa língua. O português já é, sem nenhum esforço organizado, a nona língua mais falada no mundo.
Imagine o que podemos, de forma articulada, fazer com ele. Os EUA, o principal mercado do mundo, tem uma forte comunidade hispânica. Quem fala espanhol pode facilmente falar português. Os argentinos e outros vizinhos já o fazem, por necessidade. O francês e o italiano são nossos primos. Amore, l'amour, amor são semelhantes. Temos uma plataforma genética e linguística que nos permite sonhar que esse sonho não é um sonho.
Esse sonho não é uma viagem na maionese. É uma ação econômica, industrial, diplomática, política, desportiva, militar. É impossível pensar a Inglaterra sem o inglês e a França sem o francês. Ou a Espanha sem o espanhol.
A verdade é que a única fronteira que sobrou foi a língua. Nós somos brasileiros, não é de nossa natureza colonizar ninguém. Mas, em vez de subjugá-los com nossa língua, podemos iluminá-los. E quem sabe o mundo compreenda o inteiro significado da palavra tolerância, uma palavra tão nossa.
O lindo significado da palavra saudade, palavra que só a língua portuguesa tem. E que me remete a Graça Machel, a Mia Couto, a Jorge Amado, a Caetano Veloso, a Gilberto Gil, a Roberto Carlos. Pessoas que, com talento, graça e absoluta maestria da língua portuguesa, fazem o mundo sentir saudade de nós.

NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC,  Folha de São Paulo 27 de julho de 2010.

sábado, 4 de agosto de 2012

Cícero em transe

pintura Rubens Gerchman

“O REAL NOS ULTRAPASSA, E POR ISSO REAL É. O POETA É AQUELE QUE NÃO SE BANHA DUAS VEZES NAS MESMAS ÁGUAS”

Nas mãos hábeis de Antonio Cícero, a poesia se transforma em uma dança. E o poeta, em uma dança. O próprio Cícero descreve: “Eram palavras aladas/ e faladas não para ficar/ mas, encantadas, voar”. Refere-se aos juramentos de amor, que fazemos entrelaçados na cama, envoltos nos lençóis da língua. Palavras em que a sedução vale mais que a eficácia. “Carícias que por lá/ sopramos: brisas afrodisíacas/ ao pé do ouvido, jamais contratos”. Vivemos no século das transações, dos acordos jurídicos e dos compromissos comerciais. Mundo em que o desejo parece não só imprestável, mas vergonhoso. Pois a poesia, com sua dança, é o terreno do desejo. Enquanto o mundo se verticaliza na ilusão do poder, o poeta se deita para dele duvidar.

Leio os versos de Antonio Cícero em “Porventura”, sua nova e inspiradora coletânea de poemas (Record). Leio e meu coração de leitor também balança. Homens que sabem o que querem não leem versos. “Jamais serei plenamente adulto:/ antes de sê-lo, serei velho”, escreve o poeta, desprezando as certezas que petrificam. A suspeita de que jamais será completamente adulto (pedra) é uma aposta no movimento. O poeta não apenas dança, mas gira, e com seu giro perfura a casca da arrogância. Entra em transe, vive em transe: para o poeta, escrever é uma dança que não se esgota.

Dois mestres surgem em cena, dois poetas, grandes poetas: o anglo-americano W. H. Auden (1907-1979) e o irlandês W. B. Yeats (1865-1939). “Eu exaltaria Auden/ viajante atormentado/ dialético e bizarro”. No mundo da sensatez, das fotocópias autenticadas e da moda, é útil reler Auden que, mesmo educado nos rigores de Oxford, frequentou a esquerda radical e viveu sua homossexualidade abertamente em plenos anos de 1930. “Ou quem sabe, Yeats, numa tarde/ feito essa, tão vadia/ possa a leitura da tua/ poesia, pura Musa,/ inspirar a minha arte/ se eu lhe implorar”. Também Yeats entregou-se ao transe, misturando o hinduísmo, as crenças teosóficas e o ocultismo, e levou a loucura romântica a seu limite. Auden e Yeats, no entanto, se estranhavam. Um via no outro, talvez, o grande rombo que não percebia em si. Indiferente a essas diferenças, Cícero os incorpora. E dança com eles, na grande sala da poesia.

Entrega-se, assim, ao transe das palavras, em que a vida se torna sagrada. Não porque ela repita os textos antigos, ou manifeste a voz de um deus, mas simplesmente porque se reafirma como vida. “Eis o que torna esta vida/ sagrada:/ ela é tudo e o resto, nada”. Lembra-nos o poeta que o único fim (sentido) da vida é a morte, “e não há, depois da morte,/ mais nada”. A constatação, que a alguns deprime, e em outros inocula o cinismo, ao colocar a vida em seu próprio fim, na verdade a engrandece. A vida, essa dança desequilibrada na qual, tontos, mas cheios de calor, resistimos. A vida, à qual a grande poesia — como a de Antonio Cícero — sempre se agarra.

Ao evocar Arquimedes de Siracusa, físico e astrônomo da Grécia Antiga, o poeta recorda as quadraturas, os cálculos de areia, as esferas, cilindros e estrelas, para em seu nome dizer: “nada do que realizei se encontra à altura/ do que há por fazer./ A matemática é longa,/ a vida breve”. Tristes os que acreditam nas sínteses, nos gráficos e nas grandes soluções — enquanto a vida se arrasta como um rio interminável. Tudo o que fazemos, dizemos, escrevemos, é sempre pouco. Muito pouco. O real nos ultrapassa, e por isso real é. O poeta é aquele que não se banha duas vezes nas mesmas águas. Não bloqueia, não detém, não recolhe: entrega-se. Como Arquimedes, um homem cuja ciência, muito mais estreita que o mundo, conservava a consciência do pouco que (apesar de tudo) tinha a dizer.

A vida é desejo e, por isso, nunca chega a si, sempre está aquém de si. No livro de Antonio Cícero, um pequeno poema, “Desejo”, diz tudo: “Só o desejo não passa/ e só deseja o que passa/ e passo meu tempo inteiro/ enfrentando um só problema:/ ao menos no meu poema/ agarrar o passageiro”. Na vida contemporânea, nos habituamos às escadas rolantes que levam sempre às mesmas vitrines. Às religiões ortodoxas, que repetem sempre as mesmas verdades. Ao pragmatismo, que conduz sempre ao mesmo cinismo. Quase não há mais vida (movimento e passagem) na vida contemporânea. Uns poucos — os poetas — insistem em agarrá-la. Insistem em se fixar no instante que, mal é, já não é mais. Só os poetas suportam a fluidez na qual, apesar de nossa indiferença, estamos mergulhados.

“Que não se engane ninguém:/ ser um poeta é uma África”, escreve Cícero. Em um mundo que se entrelaça em uma grande rede, na qual tudo se vende e tudo se expõe, o poeta aponta a inutilidade de seu gesto. “Exporei tudo na rede/ sem ganhar nem um vintém”. O poeta sabe que trabalha nas bordas, ali onde as verdades escorrem, e que trabalha com as sobras, ali onde ninguém mais deseja. “Eis o que consegui:/ tudo estava partido e então/ juntei tudo em ti”. Partes que não se encaixam, palavras que não se completam, certezas que se esfarelam: “eu quis correr esse risco antes de virar/ pó”. O risco do poeta é o risco de existir. Pode haver aposta mais bela?

No mundo do tempo real, nos asfixiamos em notícias e fatos que, muito raramente, tocam o real. Nesse universo hiperiluminado, de imagens feéricas e figuras chapadas, desprezamos as entrelinhas. Contudo, é nelas que a vida não só se costura, mas respira. O poeta coloca-se em outro lugar, que Cícero descreve assim: “É aqui, mais real que as notícias, na própria/ matéria, na dobradura de uma folha”. Ali permanece, espremido em um vão, entre “linhas e planos apenas esboçados”. Quem aguenta, hoje, a imprecisão de um esboço? Quem suporta o meio do caminho, onde nada se afirma e nada se completa? Pergunta o poeta: “Não será a saída um desvio/ e o caminho o único fim?” Questão incômoda, que arruína nosso mundo de balancetes e de planilhas, enquanto o poeta, resignado a ser, limita-se a respirar. Respira o grande rio que o arrasta. Respira as coisas do mundo e, sempre suspeitando de si, se pergunta: “dar a mim mesmo este presente?”

josé castello
O GLOBO
04/08/2012