segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Legítima defesa nacional


pintura Rubem Gerchman
O governo americano, em carta enviada por seu representante comercial Tom Kirk ao Ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, acusou o governo Dilma de estar sendo protecionista "por haver decidido aumentar tarifas de cem produtos importados pelo Brasil.
E cobrou ("urged") que o governo brasileiro reveja sua decisão. O ministro brasileiro ironizou o americano por ter "reconhecido a legalidade" das medidas brasileiras no quadro da OMC e afirmou que o Brasil foi obrigado a tomar essa iniciativa porque os EUA, com sua política de emissão de dólares ("quantitative easing"), vem causando a apreciação do real.
Patriota acusou também os EUA de subsidiar sua agricultura, mas a novidade em termos de discussão tarifária é a de mostrar que tarifas e taxa de câmbio se substituem quando se trata de importação. Esta é uma tese "proibida" na OMC, mas é afinal óbvia. Se um país eleva em 10% suas tarifas, mas a taxa de câmbio se aprecia em 30%, na prática a indústria foi afinal desprotegida em 23% em relação ao preço inicial em reais.
Façamos as contas, partindo-se de tarifa zero, do preço de um bem de US$10, e de uma taxa de câmbio de R$2,60 por dólar, implicando um preço em reais de R$26,00. Se for estabelecida uma tarifa de10%, seu preço em reais será R$28,60; mas caso a taxa de câmbio se aprecie em 30%, caindo para US$ 1,82, o preço em reais cairá de R$28,60 para R$ 20,00, de forma que, devido à depreciação, a proteção adicional de 10% se transformou em uma desproteção líquida de 23%.
A substituição de tarifa por câmbio e a tese de que nos países em desenvolvimento a taxa de câmbio deixada livre tende a ser crônicamente
sobrevalorizada estão no centro da nova escola keynesiano-estruturalista que está surgindo no Brasil.
Quando o ministro Guido Mantega, que faz parte dessa escola, afirmou há alguns anos que o Brasil estava sendo vítima de uma guerra cambial, pensava nestes termos.
É claro que os EUA e o clube dos Países ricos não concordam porque ideologicamente acreditam que a liberalização comercial geral é do seu interesse. Na verdade, em relação a países de renda média que são capazes de exportar bens manutaturados, isso não é mais verdade.
Se esses países lograrem neutraIizar as duas causas dessa sobrevalorização crônica do câmbio ( entradas excessivas de capital, agora agravadas pela política de emissão monetária dos países ricos, e doença holandesa), ganharão mais que os ricos com a abertura comercial. Foi o que perceberam há muito os países asiáticos dinâmicos, que não se deixaram enganar pela tese do ocidente de que "precisam" de seus capitais. E o que nós, brasileiros, já começamos também a entender, mas que não tivemos ainda força suficiente para implementar, seja porque a dependência de nossas elites e principalmente de nossos economistas é muito maior do que a das elites asiáticas, ou porque  a doença holandesa é mais grave aqui. Como não logramos colocar a taxa de câmbio no verdadeiro nível de
equilíbrio somos obrigados a aumentar tarifas. É um “second best”, mas está claro que o governo brasileiro não se deixará comover com as acusações americanas. O que o Brasil está fazendo é legítima defesa.

Luis Carlos Bresser-Pereira, publicado na Folha de SP 24-setembro-2012 

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