terça-feira, 29 de novembro de 2011

Italianos

La mia città

O LIVRO


nova capa do LIVRO com lançamento em breve ( www.formaesentido.com.br )

domingo, 27 de novembro de 2011

Ao reguinho

foto GL- mural no Porto

A Queimada


foto GL - Lisboa 
Queime tudo o que puder:
as cartas de amor
as contas telefônicas
o rol de roupas sujas
as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência
e anuncia a arteriosclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos: more num covil
e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados, os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.
A Queimada ( Lêdo Ivo ) 

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uma vida humana

pintura Damien Hirsch / foto GL
Roberto Mangabeira Unger

Cada um de nós nasce enquadrado. Acordamos do nada e nos encontramos jogados dentro de uma classe, de uma raça, de uma naçäo, de uma cultura, de uma época. Nunca mais conseguimos nos desvincilhar completamente desse enquadramento. Ele nos faz o que somos.

Mas não tudo o que somos. O indivíduo sente e sabe, também, ser mais do que essa situaçäo ao mesmo tempo definidora e acidental. Ela nos quer aprisionar num destino específico. Contra este, rebela-se, em cada pessoa, o espírito, que se reconhece como infinito acorrentado pelo finito. E tudo o que quer o espírito é encontrar uma moradia no mundo que lhe faça justiça, respeitando-lhe a vocaçäo para transgredir e transcender. Por isso, as raízes de um ser humano deitam mais no futuro do que no passado.

Entretanto, o indivíduo cedo precisa abandonar a idéia de ser tudo para que possa ser alguém. Escolhendo e abrindo um caminho, ou aceitando o caminho que lhe é imposto, ele se mutila. Suprime muitas vidas possíveis para construir uma vida real. Essa mutilaçäo é o preço de qualquer engajamento fecundo. Para que ela näo nos desumanize temos de continuar a senti-la: a dor no ponto da amputaçäo e os movimentos fantasmas dos membros que cortamos fora. Precisamos imaginar a experiência das pessoas que poderíamos ter sido.

Depois, já mutilados e lutando, vemo-nos novamente presos dentro de uma posiçäo que, por melhor que seja, ainda näo faz jus àquele espírito dentro de cada pessoa que é o infinito preso no finito. Rendendo-nos, por descrença e desesperança, a essa circunstância, começamos a morrer. Uma múmia se vai formando em volta de cada de nós. Para continuar a viver até morrer de uma só vez, em vez de morrer muitas vezes e aos poucos, temos de romper a múmia de dentro para fora. A única maneira de fazê-lo é nos desproteger, provocando embates que nos devolvam à condiçäo de incerteza e abertura que abandonamos quando aceitamos nos mutilar.

É do hábito de imaginar como outros sofrem a mesma trajetória que surge a compaixäo. Aliada ao interesse prático, ela nos permite cooperar no enfrentamento das condiçöes que tornam o mundo inóspito ao espírito. E é para torná-lo mais hospitaleiro ao espírito que precisamos democratizar sociedades e reinventar instituiçöes. Temos de desrespeitar e reconstruir as estruturas para poder respeitar e divinizar as pessoas.

Vivemos, porém, em tempo biográfico, näo em tempo histórico. Precisamos de soluçöes que nos atendam no espaço das vidas que temos para viver. Qualquer construçäo institucional precisa, para avançar, beber na seiva de frustraçöes e aspiraçöes pessoais.
Uma doçura gratúita, calor misterioso, já une o Brasil. Será que nasce da sabedoria a respeito das coisas mais importantes? A maioria dos brasileiros parece saber, instintivamente, a verdade sobre o drama do espírito -- tudo que eu trabalhei täo penosa e tardiamente para descobrir. Näo conseguimos, porém, passar da intuiçäo da realidade existencial à imaginaçäo das possibilidades coletivas. Ainda nos faltam clareza sobre um rumo para o país e confiança em nossa capacidade para desbravá-lo. Desiludidos da vida pública, temos de passar pela desilusäo da desilusäo e nos fazer profetas de nossa própria grandeza.  ( setembro 2001-Folha de SP)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Do déficite democrático ao pós democracia -1


pintura Damien Hirsch / foto GL
Jornal Expresso, Publicado a 22 Novembro 2011 
A Europa entrou na fase "pós-democracia"? Falar de deficit democrático pressupõe a ideia que há um desvio ou uma insuficiência a exigirem correcção; falar de "pós democracia" significa a entrada de um novo modelo que ainda não sabemos designar senão como inflexão, historicamente designada, da democracia.Uma constituição europeia que possa consagrar uma "transdemocracia" sem sacrificar a autonomia democrática nacional dos povos europeus e que denuncia já uma "pós democracia".Há hoje uma brigada de "funcionários esclarecidos" em Bruxelas que elaboram regulamentos e directivas com o intuito de controlar tudo e colocar tudo sob tutela, impondo um sem número de regras que determinam a vida quotidiana dos cidadãos europeus. Não se trata de um regime totalitário e violento, pois a sua missão não é "oprimir mas harmonizar" ( não é uma prisão mas uma casa de correcção). Esta guarda sabe tudo o que aos cidadãos interessa, nomeadamente o que é melhor para eles, e outra missão é evitar pedir-lhes opinião e submeter as decisões ao voto e à discussão públicas.A simples ideia de um "referendo" desencadeia uma imediata cadeia de pânico na eurocracia.Lembre-se as directivas sobre a curvatura dos pepinos e a coloração dos alhos franceses e o regulamento sobre a lâmpadas ecológicas de uso doméstico que ocupa 14 páginas.Entretanto o modelo técnico de governabilidade já é uma realidade em Itália e na Grécia, o que quer dizer que a Europa já está a virar as costas a essa velha conhecida que é a democracia já não assente no cidadão mas nas empresas.PS: continua - com ensaísta Hans Magnus Enzensberger e filósofo Jurgen Habermas (Expresso- António Guerreiro)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Chegou o momento do contra-ataque da indústria da cultura


ilustração Rubens Gerchman

3 outubro 2011/ NELSON DE SÁ / ARTICULISTA DA FOLHA

Robert Levine foi editor da revista "Billboard", que cobre música, e antes trabalhou na "Wired", que cobre tecnologia. Acreditava que a indústria fonográfica e os produtores de conteúdo em geral deveriam abrir seus produtos, gratuitamente, na internet. Até notar, aos poucos, que as empresas de tecnologia cresciam lucrando com os mesmos produtos, mas resistiam a pagar por eles.
Passou a "seguir o dinheiro" e levantou que as instituições que defendem abrir tudo na internet são financiadas pelas mesmas empresas de tecnologia. Que o Creative Commons recebeu US$ 1,5 milhões do Google em 2008 e mais US$ 500 mil em 2009.
O resultado é o livro "Free Ride", carona grátis, que faz ao longo de 320 páginas um relato detalhado de "como a internet está destruindo a indústria da cultura" e sugere "como contra-atacar". O livro foi lançado no Reino Unido há dois meses, com elogios do "Financial Times" e restrições do "Independent", e sai nos EUA no próximo dia 25.
Abaixo, trechos da entrevista realizada por telefone:
*
Folha - Você escreve que o conflito em torno da internet não é entre ativistas e empresas de mídia, mas econômico, entre empresas de tecnologia e empresas de mídia, de conteúdo.Robert Levine - Era o ponto principal que eu queria abordar. As pessoas veem essas questões em termos de bem e mal. Quando você tem empresas, elas tendem a agir segundo seus interesses econômicos, a fazer o que dá dinheiro. Na internet, você está falando de grandes provedores, Verizon, At&T, e de Google, Facebook. Mas os ativistas ainda falam, por exemplo, em blogs: "Somos nós contra as grandes empresas de mídia". Mas a indústria fonográfica já não é tão grande, se comparada ao Google, e é pequenina, se comparada às teles. As pessoas dizem: "A indústria fonográfica manda em Washington". E ela não é nada comparada ao Google, às empresas de tecnologia.
Folha - Qual foi seu ponto de partida?Levine - Eu trabalhei na "Wired", tempos atrás, e acreditava que as gravadoras eram antiquadas, atrapalhavam o progresso. Com o tempo, pensei: "Espera aí, muitas dessas empresas de internet não querem pagar por conteúdo". O Napster ainda tinha um plano para pagar por conteúdo. Não era bom, mas era um plano. Glogster, não. Limewire, não. A ideia sempre foi fazer um livro crítico, mas nem tanto quando acabou sendo. Descobri que havia todo esse dinheiro que os ativistas recebiam. Temos uma frase no jornalismo americano, "siga o dinheiro", não tenho certeza da origem, mas apareceu em Watergate.
Folha - A origem foi o roteirista do filme [William Goldman].Levine - Exato, "Todos os Homens do Presidente". Ok, você conhece a sua cultura pop. (risos) Para mim, é o que você faz, como jornalista: você segue o dinheiro. E eu examinei o Creative Commons e [seu fundador] Lawrence Lessig, o Center for Internet and Society, da Universidade Stanford, a New America Foundation. Muita gente me disse, "eles são legais, boas pessoas". Provavelmente são, não penso que ninguém seja o mal. O mal é matar alguém, não infringir copyright. Mas eles são enviesados.
Folha - Parte do financiamento dessas instituições vem das empresas de tecnologia.Levine - Muito do financiamento vem. E o que é interessante é que as pessoas não sabem. Se você ler os jornais, não há qualquer menção. Como é que esses ativistas recebem todo esse dinheiro do Google e ninguém diz nada? Trabalhei seis meses no levantamento da proposta para o livro. Mais e mais eu me surpreendia. Comecei a pensar: "É um conflito de negócios: Quem vai controlar a distribuição de música é a Warner ou o Google?". Não penso que as gravadoras sejam o bem ou que o Google seja o mal, porque sou um jornalista de negócios. Mas creio que alguns desses ativistas... Dias atrás, almocei com um, aqui em Berlim, e ele não sabia de onde vinha o dinheiro do Creative Commons. Não é estranho?
Folha - Aqui no Brasil, talvez Gilberto Gil também não saiba.Levine - É curioso que você cite o Brasil, porque havia dois países que eu queria visitar, para o livro, mas não pude, porque não tinha o dinheiro: Brasil e Nigéria. Sou um "nerd" de música, comecei como jornalista musical. Brasil e Nigéria tiveram grandes cenas musicais nos anos 60 e 70. Tropicália, Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes. Na Nigéria, Fela Kuti, Tony Allen, o Afrobeat. A maioria foi bancada por grandes gravadoras. Gil estava na Philips.
Folha - Uma grande gravadora na época.Levine - Que depois virou parte da Polygram, que agora é parte da Universal. Mas hoje as pessoas falam: "No Brasil existe essa grande cena tecnobrega, que não precisa de gravadoras". Sim, mas ela não gera qualquer recurso de exportação para o Brasil. Todos aqueles discos de Gil geraram recursos para a economia. Por isso eu queria ir, porque vocês têm essa imagem de que o mundo em desenvolvimento deve ser contrário ao copyright. E eu não acredito que ela seja correta.
Folha - Gil e outros artistas, como Radiohead, tentam incorporar a distribuição grátis via internet. Como você essas tentativas de construir pontes?Levine - O que o Radiohead fez foi realmente esperto. Eles conseguiram mais dinheiro ainda com aquele álbum, o que deram de graça. Deixaram você pagar o que queria, conseguiram muito dinheiro e promoveram sua turnê. Foi realmente inteligente. Por outro lado, o Radiohead pôde fazer porque já era famoso. E já era famoso porque, por um lado, na minha opinião, é uma das bandas mais talentosas que há, mas também porque teve muita promoção da EMI.
Folha - Para começar.Levine - No começo. Você tem muitos artistas talentosos que ninguém conhece. A EMI gastou muito dinheiro falando ao mundo sobre o Radiohead. Imagino que a Philips tenha gasto muito dinheiro para falar ao mundo sobre Gil. Tenho vários daqueles discos, mas não conheço tanto a história. Mas ele estava na TV brasileira. Então, quando se torna conhecido, você não precisa de uma gravadora, mas quem será o Gilberto Gil de amanhã?
Folha - O livro aborda também imprensa e TV. Diz que tiveram duas formas de tratar a internet, no início; a primeira seguindo a opinião geral e abrindo quase tudo na internet, caso do "New York Times", e a segunda mantendo o conteúdo fechado, caso do "Financial Times", o que fez toda a diferença. E daqui para a frente?Levine - A indústria de jornais nos EUA e no Reino Unido sempre foi ligada à publicidade. Dez anos atrás, a divisão tradicional era de 85% de recursos oriundos da publicidade e 15% da venda de exemplares. Se você examinar os EUA, a proporção do PIB que vai para publicidade não mudou muito desde 1995. O PIB sobe e desce, mas o percentual se mantém. Você tinha, digamos, essa torta que sustentava jornais, TV, revistas. Agora você corta essa torta pela metade. Google e Facebook ficam com uma metade. Todos os jornais e todas as TVs estão disputando a outra. Eles têm de vender o conteúdo, não têm alternativa. Não sei se vender o conteúdo vai funcionar, mas sei que distribuí-lo de graça na internet não vai. Não para um jornal ambicioso, que gasta muito dinheiro com seu conteúdo. "New York Times", "Wall Street Journal", "Zeit", "Le Monde", alguns poucos em cada país. Não são todos que querem cobrir guerras, esse tipo de jornalismo, mas, se quer ser um grande jornal, tem que cobrar.
Folha - Vale também para os emergentes?Levine - Pode ser diferente no Brasil ou na Índia, porque suas economias estão se expandindo. Não sei muito do Brasil, mas quando uma economia cresce mais rápido, você tem mais pessoas na classe média e mais gastos, internamente. E, quando você tem mais gastos internamente, aí a publicidade realmente decola. Mas é muito difícil fazer previsões sobre o Brasil, porque é um país tão grande, com tantas diferenças, São Paulo e Manaus são quase mundos diferentes. Mas, num país desenvolvido, você tem que vender as notícias. E acredito que as pessoas vão comprar. Eu pago US$ 23 por mês pelo "New York Times". Se mudarem amanhã para US$ 33, continuaria pagando. As pessoas são muito sensíveis à conveniência ao pagar, elas querem que seja fácil, mas não creio que se importem tanto com o custo. A maioria dos americanos paga US$ 60 por mês pela TV a cabo. E a maior parte da programação é muito ruim.
Folha - Centenas de canais, nada para ver.Levine - US$ 60 pelo cabo ou US$ 30 pelo "NYT"? Para mim, US$ 30 pelo "NYT". Nos EUA, o iTunes aumentou o preço das músicas de US$ 1 para US$ 1,29. E vendeu 13% menos músicas, mas obteve 20% mais de dinheiro. Se você está no negócio para ter, é realmente inteligente.
Folha - Por que você escreveu sobre direitos de músicas, jornais, filmes, e não sobre patentes de forma geral?Levine - Uma das razões é que patente é uma questão de vida ou morte. Se você precisa muito de um remédio e não pode pagar, você pode furtá-lo. E eu não posso dizer que seja uma coisa ruim você estar furtando remédio. Mas se você furtar um álbum do Led Zeppelin...
Folha - Não é a salvação da vida de ninguém, necessariamente.Levine - Espera aí, para mim é. (risos) Mas eu cresci em Connecticut, não havia nada para fazer. Mas são coisas diferentes. Você pode dizer que o governo da Índia ou do Brasil ou da Nigéria tem uma motivação política legítima. Você tem o direito de expropriar propriedade intelectual americana se vai salvar vidas? A resposta é talvez. Mas você têm o direito de expropriar "Gossip Girl"? "Desperate Housewives"? Aí é algo difícil de defender. Se você examinar o que acontece na Organização Mundial de Propriedade Intelectual, na ONU, muitas pessoas do Creative Commons e do Google confundem as duas questões, copyright e patentes. Para mim, são muito diferentes, porque o que está em jogo é muito diferente. Não penso que furtar uma música do Led Zeppelin seja uma coisa horrível, embora me pareça, de fato, desnecessário.
*
Folha - No fim do livro, você fala dos diferentes caminhos possíveis daqui para a frente. Um deles seria o esforço crescente, na Europa continental, para combater a pirataria na cultura. É uma saída?Levine - Sim. As divergências legais que estão sendo debatidas hoje são muito pequenas. Ninguém diz que baixar algo pelo qual você não pagou seja correto. Ninguém diz que postar um filme na internet é correto. Tudo o que estão discutindo é quem deve responder legalmente pelo ato. O YouTube diz: "Vocês não podem nos processar, têm de processar os indivíduos". Mesmo se for difícil garantir o respeito às leis, é importante delimitar, com leis que digam "ei, isso é errado". Só deixar o sinal já é importante.
Folha - O Google tem um lema, hoje pouco lembrado, "don't be evil", não seja mau. Mas agora, com o Google tão grande, com o Facebook tão grande, a imagem do bem está mudando?Levine - Ah, sim.
Folha - No livro, você cita que [o editor] Chris Anderson proclamou, na "Wired", que "a web está morta", porque está se fechando, com dispositivos como Xbox Live e App Store. Os malvados se tornaram as grandes empresas de tecnologia? Elas são o novo alvo?Levine - Sim, mas me permita dar algum contexto. Sempre houve dois lados na indústria do entretenimento: o produto e a plataforma. Hoje, o Google controla a plataforma. Também os provedores de serviços de internet, as teles, são uma plataforma. Apple e Amazon têm plataformas fechadas. E parte do problema é: quem tem o poder, o produto ou a plataforma? Na indústria tradicional de mídia, o produto tem muito poder. Se estou tentando fazer você comprar TV paga, você vai querer o canal com os melhores programas. Se tenho um cinema, preciso de bons filmes. Com a internet, você não precisa pagar nada, está tudo lá. Então a questão é como fazer a plataforma pagar pelo produto. Quando Chris diz que "a web está morta", uma das coisas de que está falando, penso eu, é que muitos dos criadores de conteúdo não gostam da internet, porque é uma forma muito ruim de vender coisas. A internet foi criada por cientistas que queriam compartilhar informação acadêmica. Para isso, ela é extraordinária. Mas não estamos mais usando a internet para compartilhar pesquisa acadêmica. Estamos usando para serviços bancários, para tudo.
Folha - Para mídia.Levine - Mas a internet só é boa para compartilhar informação. Se você quer vender informação, ela não é, na verdade, um sistema bem estruturado. Daí a pergunta: Que passos podemos tomar para mudar o sistema? A Apple tem um sistema muito bom para vender coisas. O Xbox tem um sistema muito bom para vender coisas. Você pode achar os videogames idiotas, mas tecnicamente é um sistema muito bom. Mas o Google diz: "Espera aí, você não pode fazer mudanças, é imoral". Eu não penso que seja imoral. É ruim para os negócios do Google, porque, quanto mais informação vai para a internet, mais o Google lucra. É ótimo para eles. Mas, se você quer lucrar também, alguém tem que comprar sua informação. Temos que estruturar um sistema ou regular um sistema para mais gente.
Folha - Regular como?Levine - Me desculpe se soa pretensioso, mas eu acho que a pergunta é: "Quem está no comando?". Os políticos regulam a plataforma ou as plataformas regulam os políticos? Eu não votei no Google. Eu vou e volto quanto ao governo americano, mas no ano que vem posso votar novamente. Provavelmente votarei em Obama outra vez, mas eu posso votar e você pode votar em não sei quantos anos. Você não pode votar no Google ou na Apple.
Folha - Eles estão lá e ponto.Levine - Eles simplesmente estão lá. Uma das coisas de que eu gosto sobre a Europa é que, quando os EUA não regularam a Microsoft, a Europa o fez. Quando os EUA não regularam a Intel, a Europa o fez. Não acredito que os EUA vão regular o Gooogle. Porque eles são muito próximos de Obama.
Folha - Google e outras empresas de tecnologia têm feito encontros e jantares com Washington ultimamente.
Levine - O Google doa muito dinheiro para Obama. Eric Schmidt [executivo do Google] foi um sério candidato a secretário do Comércio. Como você pode ter um secretário do Comércio que pensa que tudo deve ser grátis? É um pouco estranho.
Folha - Além de Chris Anderson, Tim Berners-Lee, o inventor da web, escreveu que a internet está em perigo por causa de "ilhas" como o iTunes.Levine - Mas aí eu tenho de perguntar se está em perigo ou se está evoluindo. Não quero voltar a comprar fitas cassete e discos de vinil. As coisas avançam e mudam. Podemos comprar música no iTunes, no Spotify, mas compramos on-line. Isso não vai voltar atrás. A indústria fonográfica tem de se adaptar, as editoras de livros têm de se adaptar. E adivinhe? Também Tim Berners-Lee tem de se adaptar. Por que todas as pessoas que defendem o progresso tecnológico querem que a internet se mantenha exatamente como era em 1995? Tim Berners-Lee e Lawrence Lessig e todos esses caras querem que a internet continue exatamente igual. A internet vai crescer, amadurecer.
Folha - Mas Berners-Lee criou a web, ele não deveria ser ouvido?Levine - Ele é um cientista, muito inteligente. Mas eu não quero um cientista decidindo como a sociedade deve funcionar. Para isso, ele não é qualificado. E deveria calar a boca. Aliás, eu não sou qualificado também. Isso precisa ser uma conversa política. Os chamados valores "geek" [dos aficcionados de tecnologia] na verdade não têm muito apoio entre as pessoas. Poucos parecem concordar com Tim Berners-Lee. Então, quem se importa com o que ele diz? É um gênio, mas só porque é um gênio da ciência da computação... Ter professores muito inteligentes decidindo como a sociedade funciona nos deu algumas das piores economia do século 20. Se você vai e pede, "estruture uma sociedade", você termina com a União Soviética.
*

Paisagem

fotos GL Estoril Portugal

domingo, 6 de novembro de 2011

A formação da ideologia do direito

foto GL - Veneza
Acesse o link 1:
O Google espalhando influência
http://www.businessweek.com/magazine/googles-spreading-tentacles-of-influence-10272011.html?campaign_id=rss_null

foto GL - Veneza
Acesse o link 2: 
A responsabilidade do Google na pirataria

O fado está assim...






















foto GL - mural no Porto  
Na íntegra, texto de Nicolau Santos, diretor adjunto do Expresso, maior semanário português,  dia 29 de outubro, no caderno Economia.
«Até 2013, a generalidade dos trabalhadores portugueses por conta de outrem vai perder entre 40% a 50% do seu rendimento e todos os seus ativos (casas, poupanças, etc.) vão sofrer uma desvalorização da mesma ordem de grandeza. Pergunto: alguém pensa que isto se fará de forma pacífica? Alguém pensa que o bom povo português aceitará mansamente este roubo? Alguém pensa que assistiremos bovinamente a este assalto? Repito: entre 2011 e 2013, o Governo toma medidas que lhe permitirão confiscar metade do que ganhamos hoje. É deste brutal esbulho que falamos e que está ao nível de decisões idênticas tomadas por governos da América Latina nos anos 80. É isto que está por trás da proposta de lei do Orçamento do Estado para 2012 e das decisões que o Governo já tomou em 2011. É sobre os escombros resultantes desta violentíssima e muito rápida pauperização da generalidade dos trabalhadores e quadros médios e superiores, públicos e privados, bem como dos reformados e pensionistas, que o ministro das Finanças espera que Portugal triunfe “como economia aberta e competitiva na Europa e no mundo” no final do programa de ajustamento. Faz sentido?
Como é óbvio, só quem ensaia soluções asséticas e perfeitas em laboratório é que pode imaginar que esta história terá um final feliz. O mantra do ministro das Finanças (para conhecer o pensamento de Vítor Gaspar ler o excelente artigo que Pedro Lains publicou no “Jornal de Negócios” de 19 de outubro) é tornar-nos a pequena China da Europa, assente em salários baixíssimos, sem subsídio de férias nem de Natal, relações laborais precarizadas, horários de trabalho flexíveis e menos férias e feriados.
Mas Gaspar quer ir mais longe. E assim a draconiana consolidação orçamental só será eficaz se, como diz, for acompanhada por uma agenda de transformação estrutural da economia portuguesa, nomeadamente um amplo programa de privatizações. O que quer isto dizer? Quer dizer vender ao preço da chuva e ao estrangeiro tudo o que seja empresa pública lucrativa ou participações do Estado em empresas, mesmo que elas constituam monopólios naturais; e não deixar na posse do Estado nem um único centro de decisão. Outros dois componentes fundamentais desta agenda de transformação estrutural são a “flexibilização do mercado de trabalho” (que nos permitirá trabalhar com regras cada vez mais próximas dos chineses) e a reforma do sistema judicial (de que, até agora, ainda não tivemos nenhuma notícia).
O tatcherismo serôdio do ministro das Finanças afirma-se pelo preconceito contra tudo o que é público e pela fezada de que colocando-nos todos a pão e água conseguiremos atingir os grandes equilíbrios macroeconómicos em 2014, partindo daí para uma fase de grande prosperidade. Mas será que o senhor não percebe que os melhores quadros do sector privado vão emigrar logo que puderem? Será que não percebe que os bons (e cada vez mais raros) quadros da Função Pública se passarão para o privado à primeira oportunidade? Não percebe que ninguém investirá um cêntimo a criar novas unidades produtivas em Portugal nos próximos anos (comprar empresas já existentes não acrescenta nada em matéria de emprego e de criação de riqueza, como é óbvio)? Não percebe que os jovens licenciados, muitíssimo bem formados, só pensam em ir trabalhar para o estrangeiro? Não percebe que há muito se passou o limite dos sacrifícios aceitáveis e que, a partir de agora, haverá uma resistência passiva destinada a iludir o fisco? Não percebe que a economia paralela se vai tornar mais pujante do que nunca e que essa é a única via para os portugueses sobreviverem a este esbulho de que estão a ser alvo?
Dir-se-á: mas havia alternativa? Havia desde que se quisesse e lutasse por ela. O programa de ajustamento da Irlanda vai até 2015. Não se percebe porque o nosso não pode ser também estendido no tempo. O défice para 2011 já foi corrigido em alta pela troika.
Porque é que não se luta para que também o de 2012 seja aumentado? Porque é que se quer impor esta insuportável dor social aos portugueses? E na questão do financiamento à economia, porque não se bate o Governo porque haja uma nova tranche (cerca de €20 mil a €30 mil milhões) para que o Governo pague às empresas públicas de transportes e estas aos bancos, que terão assim liquidez para financiar as pequenas e médias empresas?
Mas não. O que Gaspar quer é tornar a economia portuguesa competitiva através de uma violentíssima desvalorização por via salarial, pela maior recessão desde há 37 anos e por quebras do investimento e do consumo que não se verificam desde os anos 80. Se isto der resultado, deem-lhe o Nobel.»

sábado, 5 de novembro de 2011

Reboliço


terça-feira, 2 Março 2010

Foto: Gil Lopes
foto GL- logo em New York 
Depois do assessor do presidente Marco Aurélio Garcia provocar a nação comparando a programação da TV a cabo à Quarta Frota, ou seja, que a hegemonia cultural americana corresponderia no âmbito bélico a presença da sua divisão naval no Atlântico Sul, a resposta veio rápida e contundente. A Folha de São Paulo tomou a frente e disparou matérias, opiniões, declarações condenando a diatribe do governante: “Eles realizam, de forma indolor, um processo de dominação muito eficiente. Despejam todo esse esterco cultural (…) A emergência desse lixo cultural nos deixou numa situação grave". Bruno Barreto achou o discurso obsoleto. Domingos de Oliveira que em recente artigo no O Globo conclamava por um Ministério da Arte e dizia “... qualquer criança, qualquer homem de bem, qualquer pessoa séria, sabe imediatamente distinguir o que é arte e o que não é, o que é o Bem e o Mal, o que é a Ordem ou Caos, o que é motivo de viver ou morrer, o que faz crescer ou diminuir”, se manifestou dizendo que o seriado House é muito melhor do que qualquer série da Globo. Daniel Filho patrulhou a declaração por conta do apoio do assessor aos governos de Fidel e Chaves. Já Roberto D’Avila apontou para a falta de regulação da TV aberta  onde apenas 12% dos filmes são nacionais e na rubrica séries e miniséries 71%  do tempo é ocupado por produtos americanos. Um estupendo anúncio de página inteira do Bradesco Seguros para o musical americano Cats, apoiado pela Lei de Incentivo a Cultura do Ministério da Cultura, divide a página seguinte com imagens do Carnaval. Na sequência a reação continuou. Bruno Barreto novamente vaticinou: “cabe aos produtores criar produtos que sejam interessantes para as emissoras, qualquer imposição pode ser um tiro no pé”. Mas foi do editor de opinião da Folha, Marcos Augusto Gonçalves,  a pérola da manchete “Esterco, Go home!” onde argumenta que a cultura norte americana é decorrência do processo de interação e choques das culturas europeia e africana. Invoca o jazz como fonte da bossa nova e relembra Oswald de Andrade e nossa capacidade antropofágica. Mistura na confusão João e Tom como influenciados pelos jazz na suas criações. Termina ideológico falando também em Chaves,  na censura do governo chinês a Internet e minimiza a participação da TV a cabo que atinge apenas 7,5 milhões de brasileiros com poder aquisitivo para pagar seu aluguel. Antes do final, mais uma página inteira com artigo de opinião agora assinado especialmente pelo cineasta e diretor de tv Luiz Fernando Carvalho que argumenta com o "assiste quem quer" e invoca o livre arbítrio: “proibir não”, seria contra os ideais democráticos tentar restringir o livre fluxo de informações. Relembra Cuba, Venezuela e China, fala em contra mão da cultura , em cerceamento de exibição de conteúdos na era da transmidia. Nosso declarante deu um contorno de guerra no plano cultural. Tratou da guerra cultural que se trava hoje no mundo inteiro produzida pela globalização. Na semana seguinte O Estado de São Paulo abriu seu Caderno 2 com a manchete: A Broadway é aqui. Celebra São Paulo que se consolida como capital do canto e dança com a estreia de seis musicais importados. Termina dizendo que em São Paulo, o canto da Broadway agora parece não ter mais fim. No Rio de Janeiro foi Madonna que municiou a mídia em pleno Carnaval. Dizem que a visibilidade da cidade foi projetada internacionalmente com a presença da pop star americana, trazendo benefícios para o Carnaval carioca. Paris Hilton, Beyonce e Alicia Keys também vieram. Que país é esse?

Por que montar Orfeu?


logotipo Felipe Taborda
Espantei-me  com a pergunta de uma editora de cultura, por que montar Orfeu? Depois, convivi com ela ao longo do processo de produção, em toda entrevista lá estava a pergunta: por que montar Orfeu?
Produzir Orfeu tem sido uma sucessão de alegrias e perplexidades. Circular com uma peça que é uma homenagem ao negro brasileiro e tem como rubrica do autor a indicação de um elenco negro no mínimo é muito original para os padrões ainda vigentes entre nós.  Sentia-me retirando da cristaleira da cultura nacional uma de suas obras mais importantes ou metaforicamente extraindo o pré-sal cultural, riqueza negra enterrada. 
Por que montar Orfeu?
Desde sua estreia em 1956 a peça nunca esteve em circuito apesar de premiada e cultuada. O texto de Cacá Diegues narrando o impacto que teve ainda jovem acompanhado de seu pai no Theatro Municipal ao ver a peça já justificaria o interesse, mas a autobiografia do recente presidente americano Barack Obama expressando a influência decisiva em sua história do filme adaptado da obra de Vinicius, consolidou o desejo. Um misto de curiosidade e urgência transformou em exigência a empreitada, Miucha foi quem melhor definiu: "você  está encantado por Orfeu, ele é o mito do encantamento".
Descobri texto de pós graduação da USP sobre Orfeu e mais tarde da Sorbonne. Tive acesso aos originais da época que saudaram a peça como um marco cultural no Brasil. Li que Jorge Amado observou :“É um dos pontos altos da obra poética de Vinicius, e a música, toda ela é excelente”. Mas por que montar Orfeu?
Ninguém que eu conheço diretamente viu o espetáculo exceto Suzana de Moraes, a filha do poeta, assim como Cacá Diegues, comentou que estiveram lá no Municipal na célebre série de seis récitas do evento. Emocionei-me depois por saber de Jaques Morelenbaum que seu pai estava entre os músicos na efeméride. Entendi nesse momento o motivo de sua empolgação ao ser convidado para partilhar a direção musical por sugestão de Gilberto Gil.  
Orfeu determina uma virada na história da música popular, ainda que a peça só tenha ficado em cartaz em 1956 por dez dias no Theatro Municipal. Diversos ingredientes já anunciam o surgimento do novo gênero musical, a bossa nova, tais como a utilização de harmonias cromáticas e dissonantes, a articulação entre a música e a poesia e o lugar reservado ao violão no conjunto instrumental. Na ouverture ele sola a valsa de Eurídice, tema romântico da peça, e no decorrer da peça sola também introducões dos sambas e os tristes acordes com que Orfeu procura manifestar a dor e os conflitos que lhe vão no íntimo. O violão de Bonfá em nossa montagem é de Jaime Alem que co-dirige o musical. Por que montar Orfeu?
O mistério da ausência de Orfeu nos palcos brasileiros por mais de cinquenta anos não se resolve apenas com sua adaptação para o cinema. O primeiro filme de 59 conquistou todos os prêmios, foi responsável também pela apresentação internacional da nova música brasileira revelando ao público estrangeiro Tom Jobim, Vinicius , Bonfá e um Novo Mundo sonoro que diversos músicos franceses e americanos fascinados, gravam e evocam. A consagração no Festival de Cannes e no Oscar  marcam o ponto de partida da expansão da música brasileira pelo mundo.  Prenúncio da bossa nova, Orfeu Negro traça um triângulo musical inédito entre a França, o Brasil e a costa oeste dos Estados Unidos. O filme foi também denunciado em nome da autenticidade da própria cultura brasileira.  Análises mais modernas repensam o filme nas relações interculturais entre Brasil, França e Estados Unidos. Apesar das críticas formais e ideológicas, o filme constitui um documento de primeira ordem para o estudo da paisagem cultural carioca e da história das transferências culturais. As críticas da época comparam a mediocridade do filme com a criatividade da peça, obra original, esta sim considerada verdadeiramente brasileira. Cacá Diegues nos fins dos anos 90 lançou sua versão e disse: “ O filme Orfeu Negro enveredava por uma visao exótica e turística  da cidade, o que traía o sentido da peça e passava muito longe das suas fundadoras e fundamentais qualidades…”
Mas por que montar Orfeu?
Uma curiosidade na escolha do elenco. No filme de 59, o diretor Camus teve um cuidado especial  e privilegiou atores não profissionais que deveriam possuir  a inocência dos iniciantes e se distinguir pela beleza singular. Publicou retratos falados de Orfeu e Eurídice no jornal O Globo da época procurando “um rapaz negro de 27 anos medindo 1,75 e 1,80. E uma jovem negra de 20 anos.” Agora em nossa peça, por outros caminhos parece que cumprimos o ideal do cineasta, os baianos Brás e Aline corresponderiam aos critérios de sua seleção.  Na peça de Vinicius a presença do Teatro Experimental do Negro de Abdias Nascimento foi a base do elenco. Cumprimos em ato a cerimônia de benção ao visitar o baluarte negro em seu Instituto que consagrou ainda no período de ensaios nossa montagem.
Acho que temos muitos motivos para encenar Orfeu.
www.orfeunegro.net

19 setembro 2010.

A produção da série

logotipo Felipe Taborda
Ver o célebre Tzvetan Todorov reverenciar Caetano Veloso lhe beijando a mão e ouvir dele que esse encontro era como se a Rainha da Inglaterra viesse vê-lo, já justificaria ter produzido a série de palestras Forma e Sentido Contemporâneo sobre Poesia. Episódios fortuitos e inesperados produzem estímulos intangíveis ao espírito do produtor,
para o bem e para o mal. Uma crítica demolidora e injusta pode comprometer a longevidade de um espetáculo, gerar preconceitos insuperáveis, inviabilizar projeções, estimular maledicências, mas a recompensa projetada pelo encontro entre o fã e o ídolo é incomparável. Sua expressão é sempre imprevista, arrebatadora e comovente.
Apresentar um elenco de sábios escolhidos por Antonio Cicero discorrendo sobre a Poesia nos dias de hoje não deixa de ser uma tarefa de grande prazer, a pretensão de encher a vida e a agenda das pessoas de poesia contrasta com a imposição tecnológica que conspira pela atenção integral e exclusiva dos seus artefatos. Não se trata de negá-los, mas de valorizar a dimensão humana avassaladora que a poesia resulta. Constitui-se também num esforço moral, no compartilhamento de um desejo de beleza, respeito e amor pela arte. Em resumo uma atitude prática frente às concepções redutoras que limitam o espaço e o alcance da poesia.
As comemorações octogenárias que temos celebrado nos revelam por exemplo que João Gilberto, o maior artista brasileiro tem a mesma idade de Marjorie Perloff e Michel Deguy, ilustres intelectuais que nos visitam e que despertam a curiosidade de universitários ansiosos por reservar presença nas suas palestras. Num tempo onde a longevidade humana se apresenta cada vez mais auspiciosa é igualmente propício observar como os sábios são forjados e o quanto é fascinante a convivência com eles.  Assuntos instigantes e que tratam de outra ordem ou dimensão como a Poesia, são capazes de juntar palestrantes longevos e jovens fascinados numa cumplicidade altamente conspiradora.
A cultura, diferentemente da construção civil, não tem na intensa alocação de mão de obra a força da economia que gera, mas na sua capacidade de prover os indivíduos de compreensão do que são e do que podem ser para a redenção de seus desejos e aspirações. A cultura no Rio de Janeiro pode se alastrar e ajudar a pensar o Brasil, assim como o mundo espera e observa qual será a novidade vinda do Brasil para além das nossas riquezas extrativas. Como dar melhor fim ao subsídio para produzir cultura senão o de adotar o critério do que pode nos transmitir esperança de viver melhor?
Forma e Sentido Contemporâneo considera que o conteúdo e o estilo de vida modernos indicam
novas necessidades culturais, o homem comum deve se tornar cada vez mais um
homem sutil e diferenciado. Cabe portanto produzir eventos que o eduquem emocional e
intelectualmente. É a nossa motivação.
www.formaesentido.com.br

Cultura e Mercado

foto GL - Vila Nova Serveira ( escultura José Rodrigues, do Minho) 
Garantir direitos e liberdades só não basta, é muito mas não basta, no âmbito da Cultura é preciso que o Estado promova e preserve a Cultura nacional. 
Vivemos no perímetro da cultura e comunicação de massas norte americano cuja presença é avassaladora, precisamos reunir muitas forças para contrabalançar essa presença, eis portanto o coração de uma política cultural, mas o que vemos? 
A Presidenta da República do Brasil no planalto a tirar fotos com Lenny Kravitz por exemplo, não deve passar batido. Nem Lula fotografando com roqueiros importados. É caipira demais.  Podemos mais e queremos mais. Não haverá afirmação da nação sem afirmação cultural e o marketing cultural governamental pode ser muito importante, se coerente e bem encaminhado. 
Cultura é confronto e é bom que se entenda isso de uma vez. 
Estamos muito atrasados, no digital então nem se fala. Perdidos nos entregamos a pirataria e a baixaria, chamamos isso de internet livre, resulta na debacle da música brasileira há mais de dez anos abandonada e reduzida paulatinamente no território nacional. Onde deveríamos buscar o entendimento com as grandes corporações, duvidamos. O resultado é essa derrota acachapante no âmbito cultural que experimentamos por conta da anti política cultural que procedemos, a que privilegia o produto cultural importado no mercado cultural brasileiro.   
01/novembro/2011 

terça-feira, 1 de novembro de 2011

As Reminiscências e o Futuro


Gil Lopes | quarta-feira, 17 fevereiro 2010

Imagem: Gil Lopes
pintura de Gonçalo Ivo
Aceitei o convite para colaborar neste ambiente e projetei um breve painel do que vi e que revela também como vi esses tempos. Se os anos 70 foram marcados pela ditadura militar no Brasil, os 80 foram a redenção para minha geração que chegou a idade adulta e ao mercado de trabalho querendo construir um novo Brasil, depois da adolescência carente de liberdade. As Diretas , a Constituinte e a pergunta da década: que país é esse? Foram episódios marcantes e na Cultura a vanguarda foi da música brasileira, nenhuma outra expressão teve tanta potência e popularidade. A MPB, o Tropicalismo e o rock Internacional se misturaram de tal maneira que o caldo resultante se chamou Rock Brasil e conquistou todas as esquinas do país. O rock que fala a nossa língua foi a trilha sonora do período.
A volta da política trouxe a percepção das energias e dos sonhos represados até então: que país é esse, ideologia, alagados, entre outras canções de sucesso refletiam um comportamento engajado e a esperança de construir o novo país. O Estado projetou neste período um ambiente cultural financiado pelo benefício fiscal e chamou de Lei Sarney.
Foram tempos de grande emoção, instabilidade e muita inflação. Tanta, que a opção pela estabilidade virou uma obstinacão dos brasileiros que passaram a conspirar pelo seu êxito.
Os 90 trouxeram finalmente o presidente eleito, um rebento que não poderia mesmo dar certo pois foi uma obra gerada sob grande ansiedade , o resultado foi um banho de água fria. No entanto, paradoxalmente a agenda brasileira foi radicalmente alterada e o país mudou, o amadorismo foi substituído pelo pragmatismo empresarial e o Consenso de Washington deliberou por toda América Latina e no Brasil em particular. Veio o fim da inflação, moeda firme, privatizações e crescimento do mercado. A burguesia comprou o sonho da globalização financiada pelo câmbio favorável do 1 pra 1. O rock brasileiro foi substituído pelo importado. O país sonhou com sua imagem e saiu atrás dela reconstruindo o cinema nacional.
Na outra ponta, a inclusão e chegada ao mercado de um contingente até então excluído do consumo, de pouco acesso a renda e educação, revelou a face cultural reproduzida nos guetos pobres e de periferia como o axé, o pagode , o sertanejo, e a música do padre, esta resultante do fenômeno da crendice. O teatro não se descobriu e reproduziu a memória estrangeira ou descambou no besterol, a dramaturgia nacional fez reduto na televisão. Na literatura, dependente de educação e sofisticação, nada de importante ou de relevância a não ser o tamanho das livrarias e seus estoques.
O Poder, a Cultura e o Mercado formam o campo de batalha da Nova Cultura que o novo século inaugurou. O Brasil pela sua circunstância e história tem inexoravelmente uma importância crescente no concerto das nações. Para afirmar nossos pontos de vista e participar da competição internacional dependemos da resposta ao que país é esse. É o nosso maior desafio.

Globalização da cultura


 | terça-feira, 16 março 2010

Foto: Gil Lopes
foto GL - outdoor New York
Uma atriz de novela brasileira conquistou o país e foi celebrada em Los Angeles numa festa de prêmios entre os melhores programas de tv no mundo. Esse acontecimento seria suficiente para projetar nossa estrela no mercado de atrizes em território americano? Teria chances? Imediatamente recordamos Sônia Braga como um modelo de situação semelhante. Depois de tantos anos como percebemos sua trajetória? Além da conquista individual que definitivamente pertence exclusivamente a ela, sua imigração trouxe algum benefício para o ambiente de reprodução das artes cênicas brasileiras? Do ponto de vista pessoal qualquer pessoa deve poder fazer o que bem entender do seu destino, inclusive escalar o Monte Everest se quiser. Mas como modelo de reprodução o que podemos concluir da experiência de Sônia Braga. Seria um bom exemplo para nossa atual atriz vitoriosa? Os mais antigos poderão recordar a bela cearense Florinda Bulcan que nos anos 60 se lançou na Itália assessorada por uma Condessa local e teve um sucesso relativo e projeção internacional. Tanto Sônia como Florinda passaram a residir no exterior definitivamente. Haveria alguma chance sem a presença definitiva nos mercados que se submeteram? Enquanto isso observamos artistas espanhóis conquistando um espaço global e sendo premiados em produções americanas, Penélope Cruz é a mais destacada atualmente, mas não só. A presença hipânica relevante no território americano é a base e a razão desse sucesso. Nenhuma outra nacionalidade tem tanta presença nos EUA quanto os hispanos. Mas poderíamos dizer que as artes cênicas espanholas recebem alguma vantagem por conta desse sucesso de alguns de seus atores em terras estrangeiras? Mas e a música , o futebol brasileiro? Não seriam exemplos bem sucedidos da globalização nos atingindo favoravelmente? No caso da música temos que considerar a capacidade interna de geração de riqueza como a base da plataforma de sua exportação. Sem ela é impossível manter o ritmo de produção e circulação necessários para a consolidação da presença. Sem dúvida foi nossa experiência artística mais bem sucedida internacionalmente, e atualmente sofre um período de deterioração em função da ausência exatamente desses pressupostos. Interrompe-se assim o caminho que sobretudo João Gilberto e Tom Jobim nos legaram. O futebol que é esporte, para nós é arte. O primeiro presente é uma camisa do clube do coração. O êxodo dos nossos melhores atletas impede que tenhamos acesso ao seu show a não ser pela via televisiva, somos compradores de bom futebol internacional pela TV, não compartilhamos com a excelência de suas exibições. Mas o celeiro se mantém, a esperança da redenção econômica no exterior é mais um fator de estímulo. Agora que recuperamos nossa capacidade de sonhar, de projetar utopias, em que medida podemos conceber participar da globalização cultural?

A Felicidade da indústria


Gil Lopes | domingo, 28 março 2010

Caveira cravada de diamantes, de Damien Hirst
foto GL - Londres ( reprodução objeto de Damian Hirsch)

A indústria da música foi pioneira ao definir sua estratégia de investimento direcionada para o digital, em plenos anos 90. Quem viu lembra do grande chefe Andre Midani explicando na TV o que e como seria o mundo das vendas de músicas pela Internet, na época isso era tarefa para visionários : enxugamento de toda máquina administrativa e galpões de estocagem, as maravilhas da venda imediata on line, simplificação contábil e diminuição do quadro de funcionários, divulgação sem custos de jabá, tudo isso era motivo de “talk show” na época. É célebre também as perdas com enchentes, os casos de desvios nos galpões de discos em São Paulo, e culminou no escândalo internacional da EMI Odeon com impacto no preço de suas ações. Esse era o velho mundo e a velha cultura.
Com a Nova Cultura uma série de novos desafios e questões se impõem, sobretudo o estabelecimento de uma Nova Ordem, legal, para o negócio, sem contudo desprezar o momento histórico de distribuição e alargamento da posse de computadores e meios de conexão. Essa explosão é promovida prioritariamente pois será base constituída do negócio. Cada computador, mais que uma loja, um negócio. É preciso encorajar e dar credibilidade nesse momento de expansão e inclusive fazer disso mais que um bom negócio, uma necessidade. Ao lado disso, vem a Nova Ordem, que se estabelece paulatinamente no tempo. Tempo é dinheiro, mas o Poder é mais importante que o lucro.

Nessa fase de desconstrução da velha Ordem, até o inimigo tem função, cabe ao pirata o desmantelamento do mercado e a desconstrução dos velhos meios, abrindo caminho para o novo mundo, limpo e digno, do futuro.

Nas sociedades mais desenvolvidas, mais educadas e com maior grau de percepção dos agentes sociais de seu papel , nas sociedades enfim de maior poder cultural, o trabalho inicial e fundamento de todos os passos seguintes é o da educação e educar é ensinar a ser livre. Num ambiente cidadão, onde o privilégio da cidadania plena é exercido e gozado pela sociedade, pagar imposto ou respeitar as leis é mais que obrigação, é um direito. Nesses espaços é muito mais fácil projetar o novo mundo e a Nova Cultura. E é lá que está em processo esse evento, de forma gradativa e constante. A lei e a repressão vem a reboque, acompanhadas do desenvolvimento da legislação. Mas a sociedade avança. É isso que vem ocorrendo nos EUA, na Europa e por todo mundo.
Enquanto no ambiente bárbaro as teorias da debacle das grandes corporações evolui junto das considerações sobre o mau desempenho dos seus executivos e estratégias, bem no estilo futriqueiro e mau intencionado que é próprio na mídia comprometida com a anti cultura vigente no Brasil, somos alcançados pelo tsunami que fulmina toda capacidade de reprodução e geração de riquezas da música brasileira, interna e externamente. Instala-se aqui o modelo de pirataria que é justificado pela burguesia, a primeira a se fartar em utilizá-lo, como uma mera reprodução do que ocorre no mundo inteiro ou recorrendo ao “mas quem não pratica isso ?”, fazendo questão de fechar os olhos para o desenvolvimento e avanço da Nova Ordem. Esquecem também que o desemprego e a falta são as decorrências desse comportamento social. Aproveitam para clamar pela inovação que justifique a legalidade, como se isso não fosse uma decorrência de seu comprometimento.

Tristeza não tem fim, felicidade sim.

A Morte de Vinicius e a Agonia da cultura


Estava em Portugal quando saiu a notícia terrível da morte de Luciana e dos motivos que a levaram ao desatino publicados no jornal. Temi e sofri em silêncio, lembrei imediatamente de Glauber Rocha e do assassinato cultural de sua irmã. Senti na morte de Luciana a mesma indignação: Vinicius morreu novamente, é um acontecimento deste momento tão triste de derrota no âmbito cultural no Brasil. A luta do direito, da arte e da cultura martirizou Vinicius, outra vez. Diversas vezes na longa caminhada para fazer Orfeu, diante dos céticos me referia a uma presença espiritual de Vinicius e Tom de cada lado no caminho. Creio que fabulei isso a Luciana durante os encontros de negócio. Sonhamos muito, juntos. Não nos falamos mais depois da estreia. A crítica medonha e injusta, o descaso, o abandono de Orfeu foi mais que um filme para os olhos de todos nós e sobretudo, vejo agora, para os olhos de Luciana. Não foi suficiente os reconhecimentos de Brasília e do Itamarati, a cultura nacional não alcança mais a dimensão da Obra de Vinicius e Luciana encarnou essa doença e sua agonia. Perdemos na música, nas artes cênicas, na literatura, no cinema, não temos orquestras nem bailados, nosso conteúdo vale cada vez menos e nos novos meios de circulação só há pirataria. Estamos retirando matéria e importando tudo, sem saber de onde veio nem para onde estamos indo. Subsidiamos a importação de conteúdo cultural. Vinicius morreu outra vez. O depoimento do Júlio Bressane no jornal O Globo deste sábado tem haver com tudo isso. A luta no Minc também, todas as lutas no Minc. Como fez falta a música brasileira no filme Rio, e a poesia de Vinicius colada a ela. Ficamos reduzidos a paisagens e ao tudo pode acontecer ali, uma resultante de Central do Brasil, Cidade de Deus, Tropas de Elite. Nem música, nem poesia, nem nada. Precisamos viver a morte de Luciana e ressuscitar Vinicius…e Tom…não temos feito suficientemente. É injusto esse sofrimento todo associado a Vinicius. ( aos 13 anos, apaixonado, presenteei minha namorada com Para Viver um Grande Amor…é minha melhor lembrança de Vinicius).
Pêsames. segunda-feira, 9 maio 2011