domingo, 6 de janeiro de 2013

George Orwell e o uso da linguagem


foto GL-Nyc

Críticas do escritor ao mau uso do inglês também se aplicam ao português no Brasil

George Orwell foi um grande escritor e jorna­lista inglês. Na sua extensa obra, dois livros se destacaram, inclusive no Bra­sil, nos quais revelou sua inten­sa oposição ao autoritarismo e ao totalitarismo:1984 e ARevolu­ção dos Bichos.
Aqui inspirou até o nome de um programa de televisão, o Big Brother Brasil. Big Brother, ou o Grande Irmão, era a figura imaginária e onipresente que conduzia o partido no poder num país sob jugo totalitário, imaginado por Orwell. Esse par­tido controlava seus membros de forma acintosa e cada um ti­nha em sua residência uma câ­mera de vídeo com que era ob­servado pelo controle central exercido pelo Big Brother.
Menos conhecida é a paixão de Orwell pela clareza no uso da linguagem. Soube pelo seu livro Como Morrem os Pobres e Ou­tros Ensaios (São Paulo, Com­panhia das Letras, 2011). Nele, o capítulo A política e a língua inglesa trata mais da linguagem do que da política. Esta e os polí­ticos entram em cena porque Orwell lhes  atribui parte da cul­pa pela má linguagem.
Começa apontando a deca­dência da lingua inglesa. As cau­sas, várias, com seu próprio efei­to atuando como causa adicio­nal, ao reforçar as originais, pro­duzir o mesmo resultado de for­ma intensificada, e assim por diante, indefinidamente. Nas suas palavras, a linguagem “... se torna feia e imprecisa porque nossos pensamentos são tolos, mas seu desmazelo torna mais fácil para nós termos pensamen­tos tolos”.
Várias de suas observações ca­bem também à lingua portugue­sa no seu uso no Brasil. Entre outros males, é evidente a inva­são de estrangeirismos, princi­palmente ingleses, muitas ve­zes sem ponderação quanto ao seu significado e à necessidade e relevância de usá-los. Entre ca­sos mais comuns, estão delivery, sale e off. E há bullying, que ig­nora nosso verbo bulir e o subs­tantivo bulimento.
Há também os estranhos no­mes que recebem edifícios lan­çados na cidade de São Paulo, quase todos em inglês, francês ou italiano. Recentemente, um jornalista americano que nela vive me disse ter ficado perple­xo com um deles, o Augusta High Living, na chamada baixa Rua Augusta. Em inglês high é palavra também usada para des­crever uma pessoa embriagada ou sob efeito de drogas.
Para crítica, Orwell apresen­ta cinco trechos de igual núme­ro de autores e neles ressalta duas características comuns. A primeira é o “ranço das ima­gens” ou metáforas. A segunda é a falta de precisão conceitual, à qual voltarei mais à frente.
Quanto às metáforas, e escre­vendo em 1946, argumenta que uma “recém-inventada ajuda o pensamento a evocar imagem visual, ao passo que uma que está tecnicamente ‘morta’ (por exemplo, resolução férrea) se transforma numa palavra comum e pode ser usada sem perda da vivacidade. Mas, entre esses dois tipos, há um enorme depósito de metáforas gastas que perderam todo o poder de evocação e só são usadas por­que economizam para as pes­soas o trabalho de inventar ex­pressões”.
Entre as gastas que cita, vá­rias estão também na nossa lín­gua: trocar seis por meia dúzia, misturar alhos com bugalhos, caiu na rede é peixe e calcanhar de Aquiles. Acrescenta que mui­tas dessas expressões são usa­das sem o conhecimento de seu sentido, e pergunta: o que são bugalhos, por exemplo?
É ao discutir o sentido das pa­lavras e expressões que enfatiza a política e os políticos. O ter­mo democracia tem destaque: “...além de não existir uma defi­nição com que todos concor­dem, a tentativa de criá-la sofre resistência de todos os lados. (... ) quando dizemos que um país é democrático, nós o esta­mos elogiando; em consequên­cia, os defensores de todo tipo de regime alegam que ele é de­mocrático, e temem que te­nham de deixar de usar a pala­vra se esta for atrelada a algum significado”.
E mais: “Em nosso tempo, o discurso e a escrita política são, em grande medida, a defesa do indefensável. (...) Desse modo, a linguagem política precisa consistir, em larga medida, em eufemismos, argumentos circu­lares e pura imprecisão nebulo­sa. (...) O estilo inflado é em si mesmo uma espécie de eufemis­mo. (...) A linguagem política (...) é projetada para fazer com que as mentiras soem verdadei­ras (...), e para dar uma aparên­cia de solidez ao puro vento”. Assim, mesmo discorrendo so­bre linguagem, percebe-se que Orwell foi fiel à sua vocação de rebelar-se quanto ao que via de errado na política, na qual res­saltou esse uso deturpado.
Quanto à linguagem em si, Or­well propõe seis regras para aprimorá-la, e adaptei a quinta à nossa língua: “1) Nunca use uma metáfora, símile ou outra figura de linguagem que está acostumado a ver impressa; 2) nunca use uma palavra longa quando uma curta dará conta do recado; 3) se é possível cortar uma palavra, corte-a sem­pre; 4) nunca use a voz passiva quando pode usar a ativa; 5) nunca use uma expressão es­trangeira, uma palavra científi­ca ou um jargão se puder pensar num equivalente do português cotidiano; 6) infrinja qualquer uma destas regras antes de di­zer alguma coisa totalmente bárbara”.
Adicionaria uma sétima, a de evitar frases longas, pois embo­lam o raciocínio e confundem leitores e ouvintes. E de um filó­sofo da educação, o franco-ame­ricano Jacques Barzun, uma que abrange todas: escrever é reescrever.

ROBERTO MACEDO , ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR