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Críticas do escritor ao mau uso do inglês também se aplicam ao português no Brasil
George Orwell foi um grande escritor e
jornalista inglês. Na sua extensa obra, dois livros se destacaram, inclusive
no Brasil, nos quais revelou sua intensa oposição ao autoritarismo e
ao totalitarismo:1984 e ARevolução dos Bichos.
Aqui
inspirou até o nome de um programa de televisão, o Big Brother Brasil.
Big Brother, ou o Grande Irmão, era a figura imaginária e onipresente
que conduzia o partido no poder num país sob jugo totalitário, imaginado
por Orwell. Esse partido controlava seus membros de forma acintosa e cada um tinha
em sua residência uma câmera de vídeo com que era observado pelo controle
central exercido pelo Big Brother.
Menos conhecida é a paixão de Orwell pela clareza no uso
da linguagem. Soube pelo seu livro Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios (São
Paulo, Companhia das Letras, 2011). Nele, o capítulo A política e a língua
inglesa trata mais da linguagem do que da política. Esta e os políticos
entram em cena porque Orwell lhes
atribui parte da culpa pela má linguagem.
Começa apontando a decadência da lingua inglesa. As causas,
várias, com seu próprio efeito atuando como causa adicional, ao reforçar as
originais, produzir o mesmo resultado de forma intensificada, e assim por
diante, indefinidamente. Nas suas palavras, a linguagem “... se torna feia e
imprecisa porque nossos pensamentos são tolos, mas seu desmazelo torna mais
fácil para nós termos pensamentos tolos”.
Várias de suas observações cabem também à lingua portuguesa no seu uso no Brasil. Entre outros males, é evidente a invasão de
estrangeirismos, principalmente ingleses, muitas vezes sem ponderação quanto
ao seu significado e à necessidade e relevância de usá-los. Entre casos mais
comuns, estão delivery, sale e off. E há bullying,
que ignora nosso verbo bulir e o substantivo bulimento.
Há também os estranhos nomes que recebem edifícios lançados
na cidade de São Paulo, quase todos em inglês, francês ou italiano.
Recentemente, um jornalista americano que nela vive me disse ter ficado perplexo
com um deles, o Augusta High Living, na chamada baixa Rua
Augusta. Em inglês high é palavra também usada para descrever uma pessoa
embriagada ou sob efeito de drogas.
Para crítica, Orwell apresenta cinco trechos de igual
número de autores e neles ressalta duas características comuns. A primeira é o
“ranço das imagens” ou metáforas. A segunda é a falta de precisão conceitual,
à qual voltarei mais à frente.
Quanto às metáforas, e escrevendo em 1946, argumenta que
uma “recém-inventada ajuda o pensamento a evocar imagem visual, ao passo que
uma que está tecnicamente ‘morta’ (por exemplo, resolução férrea) se transforma
numa palavra comum e pode ser usada sem perda da vivacidade. Mas, entre esses
dois tipos, há um enorme depósito de metáforas gastas que perderam todo o poder
de evocação e só são usadas porque economizam para as pessoas o trabalho de
inventar expressões”.
Entre as gastas que cita, várias estão também na nossa
língua: trocar seis por meia dúzia, misturar alhos com bugalhos, caiu na rede
é peixe e calcanhar de Aquiles. Acrescenta que muitas dessas expressões são
usadas sem o conhecimento de seu sentido, e pergunta: o que são bugalhos, por
exemplo?
É ao discutir o sentido das palavras e expressões que
enfatiza a política e os políticos. O termo democracia tem destaque: “...além
de não existir uma definição com que todos concordem, a tentativa de criá-la
sofre resistência de todos os lados. (... ) quando dizemos que um país é
democrático, nós o estamos elogiando; em consequência, os defensores de todo
tipo de regime alegam que ele é democrático, e temem que tenham de deixar de
usar a palavra se esta for atrelada a algum significado”.
E mais: “Em nosso tempo, o discurso e a escrita política
são, em grande medida, a defesa do indefensável. (...) Desse modo, a linguagem
política precisa consistir, em larga medida, em eufemismos, argumentos circulares
e pura imprecisão nebulosa. (...) O estilo inflado é em si mesmo uma espécie
de eufemismo. (...) A linguagem política (...) é projetada para fazer com que
as mentiras soem verdadeiras (...), e para dar uma aparência de solidez ao
puro vento”. Assim, mesmo discorrendo sobre linguagem, percebe-se que Orwell
foi fiel à sua vocação de rebelar-se quanto ao que via de errado na política,
na qual ressaltou esse uso deturpado.
Quanto à linguagem em si, Orwell propõe seis regras para
aprimorá-la, e adaptei a quinta à nossa língua: “1) Nunca use uma metáfora,
símile ou outra figura de linguagem que está acostumado a ver impressa; 2)
nunca use uma palavra longa quando uma curta dará conta do recado; 3) se é
possível cortar uma palavra, corte-a sempre; 4) nunca use a voz passiva quando
pode usar a ativa; 5) nunca use uma expressão estrangeira, uma palavra
científica ou um jargão se puder pensar num equivalente do português
cotidiano; 6) infrinja qualquer uma destas regras antes de dizer alguma coisa
totalmente bárbara”.
Adicionaria uma sétima, a de evitar frases longas, pois
embolam o raciocínio e confundem leitores e ouvintes. E de um filósofo da
educação, o franco-americano Jacques Barzun, uma que abrange todas: escrever é
reescrever.
✽ROBERTO MACEDO , ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É CONSULTOR
ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR