terça-feira, 27 de março de 2012

Ser Garrincha

Rubens Gerchman
Meu Personagem da Semana (Nélson Rodrigues) O Globo, março de 1962.  
1-    Amigos, o meu personagem é Garrincha. E podia ser Pelé, Garrincha ou Pelé, tanto faz. Um ou outro, mesmo sem fazer nada, é fato, é notícia, é retrato, é manchete. Para o “Paris Match”, mais vale um sorriso de Pelé do que o decote mais nítido, mais violento de Elizabeth Taylor. Mas eu escolhi Garrincha e explico: Dos seus pés      (ou de Pelé) pode nascer a flor do Bi.
2-    Ora, dizem que, nesta terra, qualquer um é neurótico, inclusive os passarinhos matinais. A gente anda esbarrando, tropeçando em melancolias, em depressões hediondas. Pois bem, Garrincha não. Eu próprio já escrevi, a propósito do “Seu Mané”: “A única sanidade mental do Brasil”. E, com efeito, a saúde interior de Garrincha é de humilhar esses bebês de anúncio. Sim, de anúncio de talco.
3-    No fundo, cada brasileiro é uma macaca de auditório de Garrincha. Notem: quando ele apanha a bola, o Maracanã, todo, arreganha um riso unânime e alvar. Não se sabe o que Garrincha vai fazer, qual a jogada que ele vai tirar de seu repertório tremendo. É um riso prévio, um riso que se antecipa à piada. Mas o que eu queria dizer é que pouco conhecemos de Garrincha ou, por outras palavras, que somos analfabetos em Garrincha.
4-    Alguém dirá que eu exagero, talvez, e daí? Mas nem tanto, amigos, nem tanto. Há em Garrincha uma série de coisas óbvias e que ninguém percebe. Por isso, vivo eu a dizer que só o gênio, só o Miguel Ângelo, só o Shakespeare enxerga o óbvio. Por exemplo: Garrincha não usa chuteiras como um simples craque mortal. Não. Ele joga de duras e franciscanas sandálias.
5-    Outra evidência ululante, e que ninguém descobriu: o nítido e taxativo parentesco de Garrincha com São Francisco de Assis. Eu disse “sandálias” para definir a relação entre os dois santos. Sei, perfeitamente, que qualquer um, inclusive um “gangster” de filme, tem um momento em que é um São Francisco de Assis, da cabeça aos sapatos.
6-    Sim, de vez em quando, uma vez na vida e outra na morte, qualquer de nós é atravessado de luz como um vitral de igreja. Mas é um instante que passa para nunca mais. Em Garrincha, não. São Francisco de Assis não passa, está sentado na alma do craque. Eu diria, se me relevarem a expressão meio torpe, que o santo é para Garrincha um desses chatos que não largam o sujeito.
7-    A qualquer hora do dia e da noite, em Pau Grande ou no Maracanã, Garrincha é franciscano. É o único brasileiro, vivo ou morto, que não conhece o ódio e, digo mais, que não conhece uma vaga de irritação. Nós somos um povo de ira fácil. Aqui, todo mundo gostaria de quebrar a cara de todo mundo (e, finalmente, ninguém quebra a cara de ninguém). Vocês se lembram daquele chefe de família que entrava em casa avisando: “Não falem comigo que, hoje, eu estou brigando automaticamente”.
8-    Garrincha, não. Garrincha, nunca. Faz um futebol sem “foul”. É caçado em campo, a cacetadas, como uma ratazana o era nos tempos de Osvaldo Cruz. É ceifado, dizimado. E só uma coisa admira: é que, no fim de cada jogo, ele não saia de maca ou não saia de rabecão. Pois bem: e jamais ocorreu a Garrincha enfiar o pé na cara de ninguém. É quebrado e, depois, cata no chão os próprios cacos.
9-    Mas onde Garrincha é mais franciscano, onde? Com as baianas. Sim, com as baianas turísticas, folclóricas, que vendem cuzcuz, pés de moleque, o diabo. E Garrincha prefere as cocadas brancas, nupciais, insiste: virginais. Mas não pensem que ele as come com uma simplicidade animal. Nada disso. Há uma ternura, há um amor. E ele poderia dizer como um santo: “Nossa irmã, a cocada”.
10- Hoje, está em Campos do Jordão e eu repito: Campos do Jordão é um cimo lívido, varado de ventos tristíssimos, de ventos inconsoláveis. Faço então a pergunta: por que meter Garrincha e o “scratch” na geladeira, por quê? Alguém dirá que é uma preparação para o frio dos Andes. Mas pelo contrário! O brasileiro é canicular. Há, nele, uma feroz e eterna nostalgia de canícula. Devíamos entupir, devíamos abarrotar Garrincha e o “scratch” de sol, de muito sol. Para derrotar o abominável frio chileno.
11- Algum Drummond podia ir, de porta em porta, pedindo: “Sejamos docemente Garrincha!” Ser Garrincha é uma solução para milhares, para milhões.
 

terça-feira, 20 de março de 2012

Ministério Sangue Bom


A luta constante por cargos no governo Dilma tem uma expressão destacada no Ministério da Cultura desde a primeira hora. Depois da longa e midiática gestão de Gilberto Gil, a disputa pelo cargo tem momentos de estridente intensidade, mas o que de fato está por de trás de tudo isso? Não se entende que projeto tão magnífico é esse que não é atendido pela nova Ministra, ou por outra, o que de tão importante foi descontinuado ou relegado. Falar em Criativo Comum não é sério e desqualifica, não há parte alguma no globo onde isso tenha a mínima relevância apesar do Deus nos acuda quando aqui foi retirado de um rodapé. O que está de fato por trás de tudo isso?
Rubens Gerchman
A ideia de continuidade no Ministério da Cultura deveria por si só ser abandonada, afinal qual a grande vitória obtida nas gestões passadas senão a organização burocrática e institucional, que se por um lado é importante e necessária, podemos considerar que seria realizada por qualquer Ministro.
Não se deu trégua a Dilma mesmo antes de mais nada. Como de fato a Cultura não se envolveu para sua eleição, exceção salvadora de Chico Buarque e Niemeyer, é compreensível a má consciência. Mas o Brasil elegeu a Dilma e quer ver nela a coragem para enfrentar quem quer fazer dela apenas uma desqualificada sucessora. Vamos torcer por ela e pelo governo dela, e com Ana Buarque de Hollanda, por que não?
A seguinte nota foi publicada no dia 24 de março, na coluna de Ivan Santos, no Correio de Uberlândia:
Ministra na marca do pênalti          
Ana de Hollanda, ministra da Cultura do Brasil, está na marca do pênalti para ser chutada. Parece até um corpo estranho no centro do poder político em Brasília. Para certa mídia interessada, é ela incompetente. Por que carga tão pesada contra a ministra? Primeiro, ela não é filiada ao PT nem a nenhum partido da Base. Será por isto que há tantas forças ocultas interessadas na demissão dela? Quem tiver conhecimento para ler hieróglifos e souber interpretar parábolas, pode entender por que tantas cabeças coroadas estão preocupadas com a ministra da Cultura. Recentemente, um terço da influente Comissão de Cultura do Senado, composta por 27 senadores, aprovou um convite à ministra para ouvi-la sobre temas de “máximo interesse social”. Antes, é bom saber que há no Congresso mais de 200 parlamentares donos de emissoras de rádio ou de televisão. Donos diretamente, donos por meio de parentes ou de laranjas. As emissoras dos políticos devem ao ECAD – entidade que arrecada direitos autorais – mais de R$ 1 bilhão. Devem, não pagam e não dão explicação. O ECAD nunca teve coragem de cobrar as dívidas dos “senhores da República”. Agora, com apoio da ministra da Cultura, o ECAD passou a cobrar os direitos autorais e ameaça levar as emissoras dos poderosos à Justiça. Então a ministra é incompetente! Deu pra entender por que alguns intelectuais a serviço de donos de emissoras pedem a cabeça de Ana de Hollanda? 

domingo, 18 de março de 2012

João do Brasil

O maior artista brasileiro, João Gilberto, foi esquecido duas vezes na mesma semana.
A primeira no Jornal da Globo desta sexta feira, em matéria registrando as gravações de Águas de Março. A mais célebre de todas foi realizada em 1973 no álbum com seu nome e acompanhado de Miucha que vocaliza a segunda parte em inglês. Inexplicavelmente essa interpretação foi omitida por Nelson Mota na apresentação da pretensa história da canção.
A segunda na tímida referência deste domingo no jornal O Globo em artigo sobre a canção Garota de Ipanema, que foi apresentada em 1962 ao mundo por João Gilberto acompanhado por Tom no piano, Stan Getz e revelando sua esposa na época, Astrud Gilberto, num dos melhores discos de todos os tempos, Getz/Gilberto. A cantora Astrud Gilberto, depois dessa gravação com João, passou a ser reconhecida mundialmente como a Garota de Ipanema e assim se apresentou e foi nominada em toda sua longa carreira.
As duas músicas, Águas de Março e Garota de Ipanema, tiveram suas mais ilustres e geniais interpretações pela voz e violão de João Gilberto que as apresentou ao mundo e foi imediatamente saudado, ambas viraram clássicos da canção popular mundial.

É preciso Pucheu

É preciso aprender a ficar submerso
TOW-IN, 2
É preciso aprender a ficar submerso
por algum tempo. É preciso aprender.
Há dias de sol por cima da prancha,
há outros, em que tudo é caixote, vaca,
caldo. É preciso aprender a ficar submerso
por algum tempo, é preciso aprender
a persistir, a não desistir, é preciso,
é preciso aprender a ficar submerso,
é preciso aprender a ficar lá embaixo,
no círculo sem luz, no furacão de água
que o arremessa ainda mais para baixo,
onde estão os desafiadores dos limites
humanos. É preciso aprender a ficar submerso
por algum tempo, a persistir, a não desistir,
a não achar que o pulmão vai estourar,
a não achar que o estômago vai estourar,
que as veias salgadas como charque
vão estourar, que um coral vai estourar
os miolos – os seus miolos –, que você
nunca mais verá o sol por cima da água.
É preciso aprender a ficar submerso, a não
falar, a não gritar, a não querer gritar
quando a areia cuspir navalhas em seu rosto,
quando a rocha soltar britadeiras
em sua cabeça, quando seu corpo
se retorcer feito meia em máquina de lavar,
é preciso ser duro, é preciso aguentar,
é preciso persistir, é preciso não desistir.
É preciso aprender a ficar submerso
por algum tempo, é preciso aprender
a aguentar, é preciso aguentar
esperar, é preciso aguentar esperar
até se esquecer do tempo, até se esquecer
do que se espera, até se esquecer da espera,
é preciso aguentar ficar submerso
até se esquecer de que está aguentando,
é preciso aguentar ficar submerso
até que o voluntarioso vulcão de água
arremesse você de volta para fora dele.

Como se faz um escritor

NYC-foto GL

O escritor recluso, cioso do seu espaço e da sua imagem, passageiro invisível da literatura de língua portuguesa, revelou-se um performer nato, capaz de cativar uma plateia com poucas palavras. Rubem Fonseca andou, falou, sorriu, citou, encolheu-se e libertou-se e deixou, para quem quis ouvir e seguir-lhe o conselho, os seus cinco mandamentos: loucura, alfabetização, paciência, motivação e imaginação. Mas isto é ir rápido demais.
De início, Rubem Fonseca, que nesta primeira mesa das Correntes d'Escritas foi acompanhado por Almeida Faria, Eduardo Lourenço, Hélia Correia e Ana Paula Tavares, companheiros de luxo, portanto, começou por dizer que era do estilo peripatético. Só consegue falar enquanto anda. Levantou-se, pegou no microfone e deu o primeiro passo. O que, como se sabe, ou pelo menos como diz o ditado português, segundo o qual devagar se vai ao longe, lançou-se para a sua intervenção. Desta vez, como de manhã, não sublinhou o orgulho que sentia em ter sangue português a correr-lhe pelas veias. Isso já havia feito, pouco tempo antes da mesa ter começado, quando o Secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, lhe entregou a Medalha de Mérito Cultural, em nome do Governo português. Insistindo ainda nos ditados populares, poderíamos dizer que, se a casa todo o filho retorna, para os netos também está escrito semelhante destino. O seu pai, depois de emigrar, nunca voltou a Portugal. Mas agora o seu filho, escritor consagrado, aqui foi recebido com todas as honras que lhe são devidas. Rubem Fonseca disse até, num surpreendente tom de brincadeira, que só depois de vermos a sua intervenção na primeira mesa percebemos que lhe é tão natural, que esta era uma homenagem "mais do que merecida". Todos sorrimos. Ele também.
E mais sorrimos quando o vimos a andar em cima do palco, da esquerda para a direita, em nossa direcção, falando sobre o que faz um escritor. Ou terá sido o que fez dele um escritor.? A dúvida ficou no ar, até porque o primeiro mandamento desarmou logo a plateia. "É preciso ser louco", disse ele, glosando o escritor norte-americano E. L. Doctorow, para quem escrever é uma forma socialmente aceite de esquizofrenia. E acrescentou: "Nessa mesa somos todos loucos. Cada um à sua maneira". Têm dúvidas? "Então leiam o texto do Foucault sobre as relações entre a loucura e a escrita literária".
Para quem lê os livros de Rubem Fonseca, esta intervenção revelou tudo o que o escritor brasileiro tem de melhor. Uma escrita (e um discurso) ágil, um contínuo sentido de humor, uma erudição sem fim, citações suas e alheias e algum suspense. Nos livros, como na Póvoa. É que a seguir à loucura veio outro mandamento. "Basta ser louco?", questionou-se Rubem Fonseca. "Não. É preciso ser alfabetizado". Ajuda, de facto. "Mas não precisa de ser muito", brincou o autor de Bufo & Spallanzani. "Só existe um exemplo de um escritor analfabeto e foi no século XIV. Catarina de Siena". Mas esta era santa. Por isso: "Só podia ser milagre". Mas atenção, frisou Rubem Fonseca: "Como santa ela era louca, porque todos os santos são loucos". Não há dúvida.
Adiante, que um terceiro mandamento se seguiu. Antes, uma ideia retirada de Conrad. "Todo o escritor deve fazer um leitor sentir e, acima de tudo, ver. Eis o que é mais importante. Ver para poder entender". E isso envolve inteligência? Nem por isso, basta lembrar o que dizia Somerset Maugham: "Ele conheceu centenas e centenas de escritores e poucos, muito poucos eram inteligentes. Eu concordo com ele, sabiam?".
Então o que é preciso? O terceiro mandamento: "O escritor tem de ser motivado". Sem ela, nada faz. O mesmo dizia Rubem Fonseca no livro de crónicas José, em que recorda a sua infância: "Se o aspirante a escritor não tiver uma motivação forte escreverá quando muito alguns poemas de dor de cotovelo, alguns contos, talvez mesmo um romance, mas logo desistirá".
Não se pense, contudo, que a motivação é coisa de outro mundo. Qualquer uma é válida. Veja-se o caso de Manuel Vázquez Montalbán, lembrou Rubem Fonseca: "Ele escrevia para poder ser alto e bonito", pois era "baixinho" e um "pouco feio".
Já íamos com três características dos escritores. Faltavam duas, percebemos à medida que o show continuava. "É tudo? Não. Ele, o escritor, tem de ter paciência." Não uma paciência qualquer, mas a que o imperador romano Augusto cultivava, segundo Suetónio: Festina lente. "Apressa-te devagar". Nunca parar de fazer, mas fazê-lo devagarinho, como diria um bom alentejano. Todos os dias. Escrever, mas procurar sempre "le mot juste" de que falava Flaubert. "Ele, sim, sabia que não havia sinónimos. Ouviram, não existem sinónimos". Para esta intervenção também não. Um espectáculo. Que ainda não estava acabado.
"Muito bem", continuou Rubem Fonseca, com a nossa concordância. "Acabou?", acrescentou, com a plateia a responder por ele: "Não". Pois é. Faltava uma coisa. "Ele, o escritor, tem de ser imaginativo. Tem de ter imaginação." A mesma que encontramos nos seus livros.
"Está entendido?", perguntou o escritor brasileiro a fechar. Está sim, senhor Rubem Fonseca. "Só mais uma coisinha", acrescentou. "Vocês aí que não são escritores, não vão pensando que também não são loucos..."

Ler mais: http://visao.sapo.pt/o-que-faz-um-escritor-segundo-rubem-fonseca=f648336#ixzz1pVPoDc00

sábado, 17 de março de 2012

sexta-feira, 16 de março de 2012

Ao Pé da Letra

pintura Zé Maria Rebelo
A intervenção mais inteligente e intempestiva vinda da área cultural nos últimos tempos foi a de Hélia Correia no programa "Câmara Clara”, ao responder assim a quem lhe perguntou que medidas deviam ser tomadas para tornar mais conhecida a obra de Maria Gabriela Llansol: “Nenhumas. Quem sentir falta que leia". Interromper o proselitismo e o nauseabundo ambiente de campanha instalados desde há muito em várias áreas culturais, nomeadamente nos livros, é uma tarefa urgente, se queremos sobreviver a estas formas de condicionamento dos espíritos - suprema manifestação do niilismo contemporâneo. É preciso destituir esta “fala” sobre os livros endereçada a quem presumidamente pouco ou nada sabe, porque o contrário é que é necessário supor: que todo o discurso tem como interlocutor alguém que sabe muito mais. E isto tanto vale para as manifestações onde se difundem títulos de livros e nomes de autores, como para a crítica, cujas regras, protocolos e modos discursivos foram completamente subvertidos e adulterados pelo estúpido imperativo de aconselhar, de dizer implícita ou explicitamente que é "obrigatório", de presumir a incapacidade e a falta de saber de quem está do outro lado. A crítica de um livro que não suponha a inteligência e a soberania intelectual do leitor entra imediatamente numa outra categoria: a do marketing, a da difusão, a da propaganda. Não há nada a difundir, nada a aconselhar, nada que seja obrigatório. Presumir o contrário é entrar fatalmente no discurso da estupidez que se manifesta em injunções deste tipo: -Este livro faz·lhe falta, aceite o meu conselho.- Conseguir, no entanto que alguém sinta por si, em total soberania, uma falta que não sentira antes, isso sim , é a única tarefa capaz de nos salvar da horda triunfante de defensores dos livros e da literature, dos quais, todavia ela precisa de ser salva.
publicado no Jornal Expresso por Antônio Guerreiro em 10 de março de 2012. 

quinta-feira, 15 de março de 2012

Micróbios dominadores

ilustração Trimano
EM 2010, nos “Annals of epidemiology”  (http://migre.me/8ftea), li uma pesquisa que achei inquietante: ela confirmava uma dúvida que me assombrara por um bom tempo, a partir dos meus oito anos. Com essa idade, aprendi que, mesmo sem estarmos doentes, somos habitados por bactérias, vírus, parasitas e fungos, que prosperam dentro de nosso organismo.  E me interroguei: esses micróbios, além de fazerem (eventualmente) com que a gente adoeça, não estariam dentro de nós como pilotos numa imensa espaçonave? Apesar de acreditarmos em nossa autonomia, quem sabe eles não estejam, de fato, no volante de nossa vida? Justamente, os autores da pesquisa, Chris Reiber, ]. Moore e outros, queriam saber se um vírus pode mandar em nós-não só alterar nosso humor, mas realmente influenciar nosso comportamento. Eles descobriram que os infectados pelo vírus da gripe, durante o período da incubação (em que são contagiosos, mas não apresentam sintomas), tornam-se especialmente sociáveis. Em outras palavras, os infectados parecem agir no interesse  do vírus, que é o de contagiar o máximo possível. Claro, não é que os micróbios se sirvam da gente para levar a cabo um “plano” maquiavélico. Mas se entende, com Darwin, que um virus que nos torne sociáveis durante a incubação pode se dar bem na seleção natural, pois ele se espalhará facilmente. Ou seja, os micróbios mais eficientes seriam os que conseguem nos usar em seu interesse próprio, os que nos transformam em seus súcubos. O que sobraria de nossa “autonomia» se todos os micróbios enquistados no nosso organismo influenciassem (silenciosamente) nossos pensamento e comportamento? Kathleen Mcaulifte, na "The Atlantic" de março (http://migre.me/8fwvb), conta a história de Jaroslav Flegr, um dentista que, há 20 anos, pretende que um parasita, o Toxoplasma Gondii, manipule e transforme os que ele infecta. O hospedeiro definitivo do Toxoplasma Gondii é o gato, em cujo corpo o parasita se reproduz sexualmente. Seu hospedeiro intermediário típico é o rato, que se infecta ao ingerir o Toxoplasma (direta ou indiretamente) nas fezes do gato e, logo, ao ser comido por um felino, leva o parasita de volta para seu hospedeiro definitivo. Agora, o Toxoplasma pode infectar qualquer mamífero,  enquistando-se no tecido muscular e no cérebro. Nos humanos, ele é presente em 55% dos franceses (comedores de carne crua, claro, de boi infectado) e em 10 a 20% dos norte americanos. Em tese, pouco importa, pois o Toxoplasma só seria perigoso na gravidez, quando produz mal formações fetais. Mas será que esse é seu único efeito? Há mais de uma década, descobriu-se que o Toxoplasma altera o comportamento dos ratos infectados, tornando-os atrevidos e fãs do  cheiro da urina de gato (de que normalmente eles fugiriam). Ou seja, o Toxoplasma transforma o rato numa presa mais fácil para o gato, no estômago do qual o parasita quer acabar sua viagem. Outra surpresa. Nos ratos (e só neles), o parasita pode ser transmitido por via sexual; ora, verifica-se que os ratos machos infectados são inexplicavelmente mais desejáveis aos olhos das fêmeas. Um parasita capaz de influenciar o cérebro do rato, seu hospedeiro intermediário preferido, não teria efeito algum quando se instala no nosso cérebro? Para começar, o Toxoplasma parece produzir em nós alguns efeitos parecidos com os que ele produz nos ratos: por exemplo, muitos humanos infectados passam a achar agradável o cheiro da urina de gato. Nada dramático: a gente é raramente comido por gatos (mas resta a pergunta: se você adora gatos, é porque gosta mesmo ou porque carrega o Toxoplasma Gondii no seu cérebro?). mais: a presença do Gondii no cérebro alavanca a produção de dopamina, um neuro transmissor cujo excesso é um dos fatores no conjunto de causas possíveis da esquizofrenia (http://migre.me/8fxyx). Enfim, o fato é que estamos começando a descobrir que os micróbios aparentemente inócuos que vivem no nosso corpo podem influenciar nosso comportamento. Não acredito que sejamos os títeres de germes, parasitas, fungos e vírus, mas, certamente, o ambiente que nos constitui e determina não é só o das interações com nossos semelhantes. É também o de interações misteriosas com seres que sequer enxergamos.  Inquietante, hein?
CONTARDO CALLIGARIS publicado no jornal Folha de São Paulo, E14 ilustrada 
QUINTA-FEIRA, 15 DE MARÇO DE 2012

quarta-feira, 7 de março de 2012

Morrer na praia

foto GL
Quem vive no Leblon já se acostumou com isso, praia suja todo dia. A jornalista publicou o seguinte texto:
RIO DE JANEIRO - Da praia do Flamengo à praia do Recreio, milhares de banhistas refestelam-se nas areias e refrescam-se em águas que, na maior parte do ano, são improprias para o banho-a ponto de haver praias que ficaram poluídas quase na totalidade de 2011, como a da Urca (96% do ano) e a do Pepino (96%), em São Conrado.
Há dois anos, em fevereiro de 2009, o secretário do Ambiente, Carlos Minc -num intervalo como ministro do Meio Ambiente-, prometeu acabar com o “surfe de coliforme fecal” _ Três anos depois, Minc continua às voltas com coliformes e, na semana passada, voltou a prometer: “Bye-bye, coliformes_ Poderemos mergulhar no mar sem ter que fechar a boca”. No primeiro momento, foi anunciado que as águas salgadas do Leblon, um dos metros quadrados mais caros do mundo, tinham ficado em condições improprias em 35,8% dos dias no ano anterior, 2008. Nesse intervalo, não só o surfe de coliformes não acabou, como os dias de banho impróprio no Leblon aumentaram para 54%, em 2011. Provocada principalmente por esgotos clandestinos e/ou não tratados, a situação se repete em praticamente toda a orla carioca: Leme ficou imprópria em 41% do ano passado, Arpoador, em 53%, e Ipanema, em 43%. E as autoridades estaduais querem fazer acreditar que Ipanema estará limpa até o final deste ano. Nas previsões de despoluição, não há no horizonte prazo para as praias do Flamengo e de Botafogo (esta imprópria em 100% dos dias de 2011). Já dentro da baía de Guanabara, as duas lotam nos finais de semana de brasileiros que preferem nem pensar em que águas estão mergulhando. O programa de despoluição da baía tem mais de 20 anos e consumiu sabe-se lá quantos milhães de dólares. Exemplo perfeito de como ações ineficientes morrem na praia. De boca aberta, como peixe intoxicado.
(artigo de Paula Cesarino Costa, publicado no jornal Folha de São Paulo em 7 de março de 2012.)

domingo, 4 de março de 2012

Guerra cambial e Tsunami monetário

Rubens Gerchman
A presidente Dilma Rousseff criticou nesta quinta-feira a guerra cambial, que prejudica a competitividade da indústria nacional. Ela criticou os países desenvolvidos, que não possuem rigidez em sua política fiscal e despejaram US$ 4,7 trilhões no sistema financeiro. Ela classificou o fenômeno como um "tsunami monetário".
"As condições de competitividade são adversas, não porque a indústria brasileira não seja produtiva ou que o trabalhador brasileiro não seja produtivo, mas porque há uma guerra cambial baseada numa política monetária expansionista, que cria condições desiguais", disse a presidente.
"É por isso que nos preocupamos, sim, com esse tsunami monetário dos países desenvolvidos, que não usam políticas fiscais de ampliação da capacidade de investimento para sair da crise. É importante que a gente perceba isso [o despejo de US$ 4,7 trilhões], que é perverso para o resto dos países, principalmente aqueles em crescimento, como os emergentes", disse. "Esses países mostram que eles compensam essa falta de rigidez fiscal com uma política monetária absolutamente inconsequente no ponto de vista do que ela produz sobre os mercados internacionais."



sexta-feira, 2 de março de 2012

Paradona ou paredão?

pintura Gonçalo Ivo

  • A paradona foi um paredão.

    Se a bateria é o coração da escola, porque 
    silenciá-la? Depois de um black out, quando as luzes retornam é natural a 
    emoção, provocar isso artificialmente é pegadinha. Foi frustrante de
    repente deixar de ouvir a bateria da Mangueira, e que bateria!!!! Talvez a
    mais especial.
    Queria mais bateria, muito mais bateria...mas como a Mangueira é nossa,
    viva a Mangueira sempre.
    Mas silenciar a bateria? Criar o paredão!?? Francamente...
    há 2 segundos · 
  • Gil Lopes Escola de Samba é enredo, ritmo e evolução...
                                                                                                                      e tudo mais...Escola de Samba é bateria!