terça-feira, 16 de outubro de 2012

TOM JOBIM, o Maestro


Qualis - Ainda falando sobre Villa-Lobos, ele sintetiza de uma certa forma a alma brasileira, assim como George Gershwin, Irving Berlin para os Estados Unidos. Você é um compositor que retratou a alma brasileira...

Tom - Muito! Muito! Aliás, o Villa-Lobos tem uma música chamada "Alma Brasileira". Porque o Brasil teve que ser inventado, entende. Não existia o Brasil. Tudo aqui é importado, tudo, o relógio, o gravador. E quando não importado, é copiado do original que vem de fora. E o resto mais é importado, o café é importado, a cana de açúcar é importada, o eucalipto é importado, os carros são importados, nós somos importados... Os índios são importados, vieram da Polinésia, né, com os zigomas salientes (ossos temporais), aplica mongólica (dobras ou rugas faciais), a zarabatana. Então, a Ilha Brasil, talvez, é uma grande ilha com as espécies muito diferentes do resto do mundo. Aqui você não tem animais do presépio de Jesus Cristo, não tem. Você não tem vaquinha, boizinho, galinha, ovelhinha, nada disso existe aqui. Tudo isso é importado. Aqui tem tamanduá-bandeira, tem gambá, tem preguiça, peixe-boi, entende, são animais realmente diferentes.


Qualis - Essa tua admiração, por exemplo, por Villa-Lobos é uma identificação dessa busca incessante pela alma brasileira?

Tom - Isso foi em outros tempos naturalmente, por que você tá aqui, o rádio toca música norte-americana. Você tem que ter alguma coisa que você ame, que você se identifique com a sua alma, com o fato de você ser brasileiro, com o fato de você nascer aqui nesse pindorama, terra das palmeiras debruçadas assim acima do Atlântico. Cheio de peixes, cheio de pássaros, de bichos, de índios, de tudo, né. Se eu tivesse nascido, por exemplo, na Europa ou nos Estados Unidos, certamente teria tido uma educação musical, supondo-se que eu fosse músico, uma educação musical mais refinada, mais profunda, ou qualquer coisa. Mas eu não iria escrever música brasileira por que eu não seria brasileiro. Aí eu iria escrever valsas, mazurcas, escrever foxtrote, talvez eu estivesse escrevendo heavy metal.

"Tom Jobim a última entrevista”, Rio de Janeiro - Jardim Botânico, 30/11/94 - Quarta-feira, das 10h30 às 13h20 - manhã ensolarada. Repórter: Walter de Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário