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A desinformação, neste caso, está em dizer que estes projetos de lei
representam uma ameaça à liberdade de expressão. Isto equivale a um político corrupto
no Brasil protestar que a lei da Ficha Limpa seria uma ameaça às liberdades
civis.
Metáforas à parte, há três aspectos da campanha coordenada dos gigantes
da internet contra as leis antipirataria que merecem uma reflexão:
A primeira é o estranho paradoxo de as mesmas empresas repetidamente flagradas
secretamente violando a privacidade dos seus milhões de usuários assumirem o
papel de paladinos da liberdade.
A segunda são as declarações indignadas destas corporações de que leis
antipirataria equivalem à “censura”, expressão que evoca a atuação repressiva
dos regimes ditatoriais do Irã e da China na internet. Mas desde quando é “censura”
a ação de um juiz de direito numa sociedade democrática, tomada após ouvir os
argumentos das partes e considerar as evidências do caso?
E a terceira, e mais instigante, é o fato singelo de que, na campanha
dos gigantes da internet contra as leis antipirataria, nunca é mencionado que
algumas destas mesmas empresas indiretamente faturam centenas de milhões de dólares
com a pirataria.
É isto mesmo. Google, Yahoo e outros agregadores se apropriam
indiretamente do trabalho de atores, diretores, jornalistas, compositores,
cantores, produtores, escritores e editores para faturar com publicidade.
Esta afirmativa pode parecer extrema. Afinal, será que Sergey Brin e Larry
Page, os jovens bilionários que criaram o Google com o genial slogan “do no
evil”, seriam capazes de tamanha desfaçatez?
Esta é a deixa para a entrada em cena de um personagem que surgiu do
anonimato nas últimas semanas: Kim Dotcom, criador do site de armazenamento e
distribuição de conteúdo, especialmente conteúdo pirata, Megaupload.
Dotcom foi preso em janeiro na sua mansão na Nova Zelândia. Com seus helicópteros,
coleção de carros de luxo e dezenas de milhões de dólares, ele representa o
lado escondido da distribuição gratuita do trabalho de terceiros pela internet.
Ao contrário do estereótipo difundido por alguns, a distribuição ilegal
via internet não é obra de jovens libertários compartilhando arquivos com amigos
— isto é tão somente um proverbial boi de piranha. A pirataria na realidade é fruto
do trabalho de Kim Dotcom e outros como ele, que vendem espaço publicitário aproveitando
o tráfego de internautas gerado pelas descargas ilegais; assim, protegidos por
uma suposta defesa da liberdade de expressão, ficam milionários explorando o
trabalho de uns e a ingenuidade de outros.
E onde figuram Sergey Brin e Larry Page neste cenário? Google não
oferece diretamente filmes e livros piratas. Mas o Megaupload não tem funcionários vendendo publicidade
mundo afora. A publicidade veiculada no Megaupload e outros sites de descarga ilegal
é distribuída pelas plataformas de mídia oferecidas pelos grandes agregadores
da internet, tais como a Google Adwords. Para cada milhão de dólares dos
anunciantes faturado pelo Megaupload, outros tantos são depositados nas contas
dos agregadores.
Para escritores, compositores, atores, diretores, músicos — zero. O Megaupload não é o único site que fatura
com o tráfego ilegal. Existem dezenas de outros. Mais de 90% das descargas piratas
de livros brasileiros se originam no site americano 4shared, que, em parceria
com os agregadores, fatura alto se apropriando do trabalho de escritores
brasileiros.
O uso demagógico da defesa da liberdade de expressão atrasou a aprovação
das leis antipirataria nos parlamentos dos Estados Unidos e da Europa. Mas, inevitavelmente,
estas leis serão aprovadas porque são fundamentais para a continuidade da produção
intelectual, cultural, científica e jornalística. E, sim, para preservar a genuína
diversidade e liberdade de expressão.
A sociedade e o legislativo brasileiro não podem ignorar esta questão.
Se cederem à pressão da desinformação em prol da impunidade dos piratas, a produção
cultural e científica nacional vai definhar e crescerá o consumo no Brasil da
produção cultural, jornalística e científica estrangeira, devidamente protegida
pela lei nos seus países de origem.
texto de ROBERTO FEITH , jornalista e editor de livros, publicado no Globo de 27 de fevereiro de 2012.
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