quinta-feira, 24 de maio de 2012

A urgência da cultura

Em seu artigo hoje no Globo o colunista Merval Pereira em Pequim informa sobre o seminário que participa na Universidade Tsinghua, uma das melhores universidades do mundo ele nos diz. E disse mais: "...os chineses estão preocupados, neste estágio de seu desenvolvimento, com a disseminação de sua cultura pelo mundo, como parte imprescindível do projeto de transformar em nação que possa se colocar como protagonista na estrutura geopolítica de poder que está sendo redesenhada."
A seguir ele avalia que "ao contrário do pensamento ocidental de esquerda, e de setores da nossa diplomacia, os pensadores chineses de academias relevantes ...não querem se confrontar com o Ocidente, muito menos com os Estados Unidos. Querem é aproveitar a globalização para ocupar seu espaço no mundo."
Pronto, é uma maneira de ver a questão, o importante é a observação do caráter imprescindível da afirmação cultural e que isso nos inspire também a caminhar nesse sentido. Por que não?

o artigo na íntegra: O Globo 24/5/2012

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Antonio Poeta e Filósofo


Entrevista a Marcos Augusto Gonçalves sobre o livro "Poesia e filosofia"
A seguinte entrevista, dada a Marcos Augusto Gonçalves, foi publicada ontem no caderno "Ilustríssima" da Folha de São Paulo:

A ideia e a lira
Para Antonio Cicero, poesia e filosofia são nuvens diferentes
RESUMO O poeta e filósofo carioca Antonio Cicero comenta seu ensaio recém-lançado "Poesia e Filosofia", que reflete sobre os limites entre a atividade filosófica, feita de ideias e de caráter abstrato, e a prática poética, constituída de palavras e eminentemente concreta. Em suas palavras, trata-se de "nuvens diferentes". 

EM SUAS PALESTRAS e apresentações públicas, Antonio Cicero já se habituou a responder perguntas sobre letras de canções, poesia e filosofia, atividades que coexistem em seu universo intelectual e criativo. Se as semelhanças entre poema e letra de música são evidentes, no caso da filosofia e da poesia a distância que as separa é bem maior do que se poderia, irrefletidamente, supor. 
"Penso que são atividades humanas inteiramente diferentes uma da outra", afirma Cicero, 66, em seu novo livro, "Poesia e Filosofia" [Civilização Brasileira, 144 págs., R$ 34,90] , publicado na coleção Contemporânea, dirigida pelo pelo professor de literatura Evando Nascimento. 
O volume reúne argumentos para demonstrar, com base na reflexão e na experiência do autor, que poeta e filósofo podem até viver com a cabeça nas nuvens, como imagina o senso comum -mas nuvens diferentes: "A filosofia deve ser um empreendimento extremo da razão, a poesia, não". Enquanto o discurso da filosofia encerra uma proposição sobre as coisas, o valor da poesia, segundo Cícero, "não é dado pelo que fale sobre coisa alguma". 
Sua finalidade "é o poema, a obra poética, feita para ser fruída esteticamente". Ou, como respondeu o poeta francês Stéphane Mallarmé (1842-98) ao pintor Edgar Degas (1834-1917), que pretendia fazer poesia por ter muitas ideias: poemas são escritos com palavras, não com ideias. 
Cicero estudou filosofia no Rio de Janeiro, na década de 1960, concluiu o curso na Universidade de Londres e fez pós-graduação na Universidade Georgetown, nos EUA. 
Em 1995, publicou o ensaio filosófico "O Mundo desde o Fim" (Francisco Alves); três anos depois, veio o volume de poesia "Guardar" (1996), estreia em livro do poeta já conhecido pelas letras cantadas pela irmã Marina Lima. 
Poesia e filosofia continuaram sendo trabalhadas em canteiros de obras paralelos: em 2005, veio a antologia de ensaios "Finalidades sem Fim" (Companhia das Letras). Uma amostra de sua produção poética está na antologia que a EdUerj lançou em 2010, com apresentação de Alberto Pucheu. 
Na entrevista a seguir, resultado de conversas telefônicas e troca de e-mails, ele fala sobre o livro. 


Você afirma que um ensaio de filosofia exige sobretudo aplicação para desenvolver e explicar ideias, enquanto a poesia depende da dedicação do espírito, recursos, faculdades, esforços. Essa afirmação parte de uma experiência pessoal. Ela é generalizável? 
Talvez não seja a rigor universalizável, mas parece ser em certa medida generalizável, pois o fato é que, pelo menos desde Homero, muito mais poetas do que filósofos dão importância, na produção de poemas, ao que chamam de "inspiração", isto é, a algo que escapa de seu controle e de sua decisão racional. Em sua opinião um poema, a rigor, não serve para nada: ou sua leitura recompensa a si própria ou não tem nenhum valor. Você diria que essa afirmação se aplicaria às artes de uma maneira geral? 
Sim. [Paul] Valéry [1871-1945] dizia que um poema devia ser uma festa do intelecto. Penso que idealmente a apreciação de um poema enquanto poema é uma festa não apenas do intelecto, mas da interação de todas as nossas faculdades -razão, sensibilidade, sensualidade, emoção, senso de humor, intuição- entre si e com nossa experiência, cultura, conhecimento etc. Idealmente, o mesmo vale para a apreciação de todas as artes. Essa festa já vale por si. Você reitera a fórmula de Mallarmé, segundo a qual poesia se faz com palavras, e não com ideias. Os filósofos clássicos que expunham suas ideias sob a forma poética não faziam poesia, mas filosofia em verso? Você não poderia ser acusado de formalista?
 Seria uma acusação sem fundamento. Veja bem: o pintor Degas estava explicando que pensava poder escrever um poema, já que tinha muitas ideias. Mallarmé então respondeu que um poema não se escreve com ideias, mas com palavras. Invertamos a situação. Suponhamos que Mallarmé tivesse dito a Degas que pensava poder fazer uma pintura, já que tinha muitas ideias. Que lhe responderia Degas, com toda a probabilidade? Que uma pintura não se faz com ideias, mas com tinta e movimentos da mão e do pincel. Ou seja, quando Mallarmé diz a Degas que a poesia não se faz com ideias, mas com palavras, ele está dizendo que a poesia, não menos que a pintura, é arte, e não filosofia. Um poema é uma obra, um objeto, não menos que uma pintura. Esta é feita com tinta, mão, pincel; aquele, com palavras. É por essa razão que se pode estudar a filosofia de filósofos que não possuem obra, como Sócrates, mas não se pode falar da poesia de quem jamais haja feito um poema. No entanto, isso não quer dizer que um poema -ou uma pintura- não contenha ideias. Um poema é feito de palavras e ideias, formas e conteúdos. O que ocorre é que, num poema, as ideias são inseparáveis das palavras, e os conteúdos, das formas. Um poema não pode ser parafraseado, isto é, dito em outras palavras. Quanto aos filósofos pré-socráticos, que escreviam em versos, é preciso, de fato, não esquecer que uma sequência de versos não chega a ser necessariamente um poema, e que um poema não é necessariamente feito de uma sequência de versos. Na Grécia arcaica, escreviam-se não só obras de filosofia, mas também de medicina em versos. Essas obras não eram poemas, como, aliás, já observava Aristóteles, exatamente porque, ao contrário do que ocorre na poesia, nelas o conteúdo pode ser separado da forma, assim como as ideias, das palavras que as exprimem. É possível que se faça um poema filosófico inteiramente satisfatório como literatura e filosofia? 
Talvez o que tenha chegado mais perto disso seja o longo poema "Da Natureza das Coisas", de Lucrécio [c. 96 a.C.-c. 55 a.C.]. No entanto, o próprio Lucrécio considerava que seu maior mérito era ter exposto a filosofia de Epicuro em "luminosos versos, a tudo tocando com a graça das Musas". Além disso, a meu juízo, os trechos mais poéticos do poema não são os mais interessantes filosoficamente e vice-versa. A grande dificuldade é que a filosofia, quando maximamente ambiciosa, consiste num empreendimento racional, crítico, abstrato, enquanto o poema é sempre concreto, no sentido de consistir numa síntese indissociável de múltiplas determinações semânticas, sintáticas, morfológicas, fonológicas, rítmicas etc. Assim, enquanto a ambiguidade, a anfibologia, a polissemia, a equivocação, a imprecisão, em suma, a "sujeira" linguística são características a serem evitadas (ou são tomadas como "males necessários") pela filosofia maximamente ambiciosa, elas são o próprio material com o qual a poesia trabalha. O que é mais difícil, traduzir poemas ou conceitos filosóficos? 
Traduzir poemas. Como, na poesia, o significado não se separa do significante, é a tradução de poemas que beira a impossibilidade. É por isso que o poeta Haroldo de Campos [1929-2003] empregava a palavra "transcriação" para a tentativa de tradução de poemas. Já os conceitos filosóficos são -ou devem ser- perfeitamente traduzíveis. A pretensão de que não o sejam não passa, a meu ver, de mistificação indigna. Filósofo e poeta não se aproximam ao serem personagens deslocados da lógica do desempenho que marca a vida contemporânea? Por esse ângulo sim, eles se aproximam. Não é à toa que o senso comum acha que tanto um quanto o outro vivem com a cabeça nas nuvens: para ele, nem um nem o outro têm o pé na Terra. No entanto, como mostro no livro, as nuvens do poeta não são normalmente as do filósofo. Enquanto este se interessa, por exemplo, pelo "ser enquanto ser", pela relação entre a matéria e a ideia, pela natureza da verdade etc., o poeta fala do amanhecer, do amor que sente por alguém, da morte que se aproxima, de certo tom de azul, dos sapatos usados, da rua que vê pela janela do ônibus... Se, a seu ver, poesia e filosofia são inteiramente distintas, o mesmo não se pode dizer da atividade do letrista e do poeta. Quais são as semelhanças e diferenças entre letra de canção e poema? A meu ver, a letra de canção é uma forma de poesia. Há uma diferença evidente, entretanto, entre um poema destinado a ser cantado e escutado (uma letra de canção) e um poema destinado a ser lido. É que este é autotélico: ele já constitui a obra de arte, a ser fruída por um leitor; já aquele é heterotélico: ele faz parte da canção, e é esta que é a obra de arte, a ser fruída por um ouvinte. Assim, para mim, uma coisa é fazer um poema para ser lido; outra coisa é fazer uma letra de canção. É que, quando faço um poema, penso apenas nele mesmo; mas quando faço uma letra de canção -e normalmente faço letras para melodias que algum compositor ou compositora me oferece-, faço-a para também corresponder às notas e ao espírito da melodia. Isso não quer dizer, porém, que um poema feito para ser lido seja necessariamente melhor do que uma letra de canção. A prova disso é que os poemas líricos da Grécia antiga, como os de Safo, Alceu e Anacreonte, que fazem parte importante do cânone ocidental de poesia, eram o que hoje chamamos de "letra de canção". Afinal, o próprio epíteto "lírico" vem de "lira". Outra prova disso é que um cancionista como Caetano Veloso, por exemplo, é com certeza um dos nossos maiores poetas.



domingo, 20 de maio de 2012

italianos

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CI SI RIUNISCE ALLA MILANESE
SI MANGIA ALLA TOSCANA
SI PAGA ALLA ROMANA.
PERFETTA TRINITÁ DELLA RAGGIUNTA UNITÁ D'ITALIA.
(Orio Vergani)

sábado, 19 de maio de 2012

O patrocínio do Brasil

foto  gl
A questão poderia ser como fazer para estimular as empresas patrocinadoras a optar pelo conteúdo nacional com prioridade, vemos o Estado patrocinando o conteúdo nacional e as empresas privadas o conteúdo importado, exceção recente é para o Banco do Brasil que decidiu patrocinar Eric Clapton e Madonna…. Nessa situação faltam meios para o conteúdo nacional se afirmar e se reproduzir em seu próprio mercado uma vez que a política vigente não atua de modo a conceder-lhe prioridade. Não é o patrocínio que faz a arte nem a cultura, entendido como um meio ao que tem servido no Brasil? Qual o balanço?  Temos construído um ambiente com a presença hegemônica do conteúdo importado em todos os segmentos, nossos meios estão disponíveis para isso e a tendência é a valorização intensa desse conteúdo. O que fazer? Primeiro temos que saber se queremos que seja assim mesmo. Parece que sim, damos o mesmo subsídio fiscal para o importado ou para o nacional por exemplo. Os megaprojetos estruturantes da subjetividade são francamente de valorização do importado. Há na ponta da produção uma crescente vulgarização do conteúdo nacional, nossa expressão cultural tem ênfase equivocada com a difusão em escala da produção mais vulgar, rompendo com uma linha evolutiva que garantiu nossa presença e caráter global. O que vamos fazer para afirmar a produção do nosso conteúdo na competição global? Não temos ainda isso definido, temos perdido tempo, estamos entregues a um projeto hegemônico competente e poderoso e não temos tido crítica suficiente para enfrentá-lo e impor nossa presença original. Patrocínio é um meio, o problema não é ele mas onde ele atua e se reproduz. E porque.